sábado, 30 de maio de 2015

Em meio à vida, leituras.






     Entremeio ao cotidiano, leituras. Senão a vida fica por demais chata, todos temos que ter nossas fugas.
     Meus blogtores (lembram? - neologismo que inventei que mistura leitores com blog), inteirei-me das seguintes obras:

1. "A UTOPIA", de Thomas More, Martin Claret, A obra prima de cada autor, 2012.
 Há tempos encontrava-se em minha pilha; livrinho magro, numa tarde devorei-o. 
O significado de utopia já o introjetara há tempos, desde minha primeira graduação, curso de Letras. Sabia ser um sonho, algo inalcançável. Este é o livro que dá origem ao significado e ao termo, escrito no século XVI. Nele, More coloca todo seu conhecimento sobre civilizações, política, comando, povo, ideais, leis, etc.  E nos descreve como seria a vida e a civilização ideal.  Sonhou muito, o homem.


                                           


2. "A história da Princesa Isabel - amor, liberdade e exílio". Regina Echeverria, Versal, 2014.
Quando vi este livro na livraria do Shopping de Joinville, não pude resistir. Sempre tive curiosidade de saber como era, como vivia, como foi educada, os conhecimentos políticos, a maturidade e a responsabilidade de nossa única princesa, a filha do D. Pedro II, mãe dos escravos.  Um livro simplesmente maravilhoso.  Deu-me vontade de conhecer o Rio de Janeiro - que ainda não conheço- Petrópolis, os museus,  e ver de perto a cidade e seus pontos históricos.  Passei a admirá-la: estudou no Rio de Janeiro mesmo (não foi para a Europa, como iam os filhos dos ricos da época); o próprio D.Pedro dava-lhe aulas, assim como teve vários preceptores.  Falava diversas línguas, e quem organizou seu programa de estudos  e de sua irmã, foi o próprio Imperador.  Era uma mulher muito inteligente e, fato que poucas pessoas sabem, a primeira mulher a governar o Brasil, e com mão forte. Não se submetia a alguns conselhos com os quais não concordava e fazia valer sua vontade e sua palavra.
Um livro excelente, que faz-nos ficar pensando, com muitas interrogações, sobre a monarquia e a república no Brasil.

3. "Alabardas, alabardas". José Saramago, Cia das Letras, 2014.
A obra inconclusa do excelente português que não deveria ter morrido, na minha opinião.  Fiquei com gostinho de quero mais. Saramago já estava bastante doente quando iniciou o projeto deste livro, que ficou pela...? metade, 1/3, 1/4, perto do fim? Nunca saberemos, pois ele foi-se e deixou-nos a ver navios.  Mas seria um ótimo romance.  Questionaria as fábricas de armas e munições do nosso mundo; colocá-las-ia de frente aos movimentos pela paz e pela vida, através de seus personagens.  Excelente começo...

sábado, 16 de maio de 2015

Sexagenária


   











 Quando eu era criança considerava que as pessoas que tivessem em torno de 50/60 anos eram velhas.  Quando eu nasci, minha avó materna tinha 51 anos, e foi a avó com quem mais convivemos; ela nunca pintou  o cabelo, então de grisalhos a brancos não demorou muito tempo. Ainda vivia minha bisavó, com 78 anos, a quem chamávamos "vó velhinha", para distinguir da que era mais nova, sua filha. Vó velhinha já era bem judiada, como se diz, cabelinho branquinho, sempre de coque, roupas compridas, um cachecol ao redor do pescoço.
     À medida que o tempo foi passando, e com a evolução ocorrida na vida, nos costumes, na medicina, na educação, na moda, minha mentalidade foi acompanhando. Também meus estudos fizeram minha cabeça.
     Hoje, logo após ter completado sessenta anos, não me considero velha.  Não que os achaques da idade não tenham começado a chegar: dor aqui, dor ali, um desgaste aqui, outro acolá, a geada queimando meus cabelos outrora pretos, alguma dificuldade para andar, dançar, fazer exercícios...
     Todavia, a cabeça julgo boa, aliás, ótima.  Continuo amando a leitura, o estudo - até penso em fazer um doutorado -, as viagens, gosto de caminhar e fazer exercícios, embora de forma um pouco limitada.
     E achei o meu estilo.  Não saberia me definir - alguém sabe?  Sem rótulos, como já pedi em outra postagem. Em síntese, a moda não me pega mais.  Na juventude, a ditadura da moda me pegou direitinho - eu queria acompanhar meu tempo, seguir as tendências e, segundo uma famosa revista, ser "antenada".  Embora sempre com olho crítico, fiel ao espelho,  não usando o que considerasse ridículo em mim, durante muito tempo fui escrava das revistas/jornais/conselhos sobre moda. Mesmo com condições financeiras precárias, tinha uma costureira perto de minha casa que copiava os modelos das famosas para mim; os tecidos eram baratos, a mão de obra também, então me sentia feliz.  Creio que consegui libertar-me, e hoje só uso o que gosto, que seja confortável, e com o que me sinta bem. Sapatos muito altos, jamais; de bico fino, só mandados fazer de acordo com meus pés.
     Minhas avós, tanto materna quanto paterna, não tiveram condições de estudar; nem minha mãe. Nem meus avós, nem meu pai.  Já para mim, o estudo é algo orgânico, inerente a minha pessoa.  Tanto meus pais repetiram a nós, seus quatro filhos, que sem estudo não seria ninguém, que esta afirmação calou fundo em minha mente.  Amo estudar, dou o maior valor às pessoas que estudam, e fiz tudo que pude para meus filhos mais velhos chegarem, pelo menos, ao curso de pós-graduação que eu e meu marido alcançamos.  Eu tenho três graduações e um pós.  E pretendo encaminhar a mais nova até o doutorado, se ela quiser.
     Ser avó.  Este era, também, um dos meus sonhos.  Meus filhos mais velhos já me permitiram realizar este sonho.  São três meninos e uma menina, um mais lindo que o outro, todos muito inteligentes, queridos, carinhosos, educados.  Fazem a minha alegria e de meu marido. Embora não morem na mesma cidade que eu, quando nos encontramos sempre é motivo de festa, e ocasião especial para um "churrasquito", como diz um deles.
     E para registrar  o fato de chegar à idade em que as leis brasileiras nos consideram pessoa idosa, fiz uma festa, com tudo a que achava que tinha direito.  Chamei a família, as pessoas amigas mais chegadas, e fizemos um jantar, com direito a cardápio especial (sou celíaca e havia muitos diabéticos na festa), música com dj e dança, com músicas escolhidas a dedo por mim.  Afinal, a festa era minha;  quando vou na festa dos outros, tenho que aguentar até as músicas que não gosto.
     E continuo amando as flores, principalmente as rosas vermelhas, como também continuo gostando da cor vermelha; não é por que o tempo passou que deixei de gostar de algumas coisas das quais gosto desde criança.  A minha menina continua viva dentro de mim.
     Afinal, como disse meu irmão, agora somos 'sexigenários', os sexagenários sexis (e sempre que vejo esta palavra, me lembro da princesa Isabel, que sancionou a lei dos sexagenários escravos.  Creio que me libertou também). Nem que seja só na cabeça...


                                         




     
     


     

sexta-feira, 15 de maio de 2015

Os 80 anos de minha mãe

     








D. Noemi cortando seu bolo de 80 anos. Fotos da autora, proibida a reprodução sem autorização.


Já escrevi em outro post sobre minha mãe. Noemi é seu nome.
      Agora pretendo comentar o que sei sobre seus 80 anos.  Completar esta idade não é fácil, se quisermos ter saúde. Ela se encontra razoavelmente bem.
      Alguns dados já se encontram na postagem "Minha mãe"; perdoem-me se estou repetindo.  É a emoção por tê-la como minha mãe e por ter ajudado a preparar uma comemoração digna dela, como fizemos quando meu pai completou seus 80 anos também.
      Como já mencionei alhures, ela nasceu na cidade de Santa Rosa/RS, em 12 de março de 1935, na localidade de distrito de Tucunduva, que hoje é município.  Como era difícil o acesso à cidade, meu avô aguardou mais de um ano para efetuar seu registro; como minha tia Ruth também ainda não estava registrada, para não pagar multa, meu avô registrou-as como gêmeas, em 2 de julho de 1936.  E a tia era mais velha que a mãe uns dois anos.
Meus avós já tinham a filha mais velha, Eva; eram 3 meninas pequenas.  As condições de vida eram precárias, meu avô fazia o trabalho de agrimensor; também eram agricultores; ele acompanhava os engenheiros na abertura e construção de estradas por este Rio Grande de Deus. A vó era originária de Ijuí/RS, e meu avô de Santana do Livramento, mas estiveram um período por lá, tentando melhoria de vida, pois ouviram anúncios de que o governo daria terras para cultivar; entretanto, esta benesse não os alcançou e, diante das dificuldades, retornaram para Ijuí.
     Meu avô foi trabalhar na Prefeitura Municipal; era o responsável pela força e luz em toda a cidade.  Minha avó era dona de casa; além de cuidar da prole, que se multiplicava a cada dois anos - tempo durante o qual  minha avó amamentava os filhos - cuidava da casa, fazia doces, pães, bolos, conservas, e cultivava, além de uma enorme horta aos fundos da casa, árvores frutíferas e um belo jardim à frente da casa. Isto já comentei no post sobre lembranças da infância.
     Minha mãe foi crescendo junto com os irmãos, que foram sete no total. Oito filhos Maria e Bento tiveram, que se criaram, além dos dois que faleceram pequenos ainda.  Naqueles tempos, doenças que hoje têm cura, para tanto não tinha, e as crianças viravam anjinhos.
     Frequentou a Escola Estadual Ruy Barbosa, que hoje é uma escola somente de ensino fundamental e fica a meia quadra de onde moro, enxergo seu telhado todos os dias, e acompanho a balbúrdia da criançada sempre. 
     Segundo minha mãe conta, meu avô tocava violão e cavaquinho; esta parte também já comentei lá atrás; ele deve ter aprendido "de ouvido", pois frequentar aulas de música era um luxo a que não se poderiam dar.  Minha mãe gostava muito quando meu avô sentava-se, à tardinha, puxava um dos instrumentos musicais e cantava, reunindo em torno de si os filhos e a mulher. Ela já tinha o dom da música, mas nem pensar em ir atrás dele e estudar.
     Começou a trabalhar enrolando balas na Fábrica de Balas Soberana, com 13 anos; depois trabalhou em uma padaria, indo, posteriormente, para a empresa Bernardo Gressler, onde fazia o fechamento das vendas à vista e a prazo, auxiliando na contabilidade.  Era exímia nas contas, achava diferenças com facilidade, e era amada e admirada, com seus lindos cabelos pretos ondulados, por todos os colegas do escritório. Também já mencionado no outro post.
     Foi nesta época que conheceu meu pai.  Ela contava 15 anos, ele 23.  Foi na inauguração do tempo da Igreja Metodista de Ijuí.
     Dois anos depois estavam casados, e fixaram residência em Santo Ângelo/RS.
     Em 1954 nasceu meu irmão Marcos; em 1955 eu; em 1956 meu irmão Paulo; logo após  houve um menino natimorto; em 1962 o Moacir nasceu; em 1975, outro menino natimorto.  De seis, criamo-nos 4.
     Minha mãe, além de dona de casa, dedicou grande parte de sua vida aos trabalhos voluntários na Igreja Metodista de Ijuí.  Dentro da hierarquia da igreja, exerceu diversas funções, quais sejam: foi Secretária da Escola Dominical, Presidente, Tesoureira, Secretária da Sociedade Metodista de Mulheres; foi agente da Voz Missionária, do No Cenáculo e de outras revistas da instituição. Durante toda sua vida, até uns cinco a dez anos atrás, quando começou a ter problemas de saúde, foi ativa tanto na igreja quanto na sociedade de mulheres, participando das mais variadas promoções; liderava quando decidiam fazer a famosa "sopa de mocotó", prato típico gaúcho, em que era exímia.  As pessoas só compravam os cartões se fosse ela que fizesse.
     Sua vida se resumia em cuidar da família e participar das atividades da igreja.
      Como já falei no outro post, depois que saímos de casa, foi estudar música, realizar o seu sonho.  Além do deleite próprio e da família, pretendia tocar na igreja, para que as pessoas não cantassem tão desafinadas e fora do contexto musical correto.  Criou o primeiro coro da igreja local.  Também participou do Coral Municipal de Ijuí, que existiu durante algum tempo.
     Entretanto, uma pessoa que faz parte da congregação local, por ocasião do batizado de sua filha, exigiu - como se alguma autoridade tivesse - que ela não tocasse, pois não gostava de hinos tradicionais e da música do órgão.  Demonstrando crueldade, ignorância e estultícia, feriu profundamente minha mãe, com palavras duras e humilhantes.  Depois deste fato, ela nunca mais tocou na igreja.  Embora esteja com as características do mal de Alzheimer, nunca esqueceu deste fato, e fala dele diariamente, em suas repetições.  A pessoa que cometeu esta insanidade nem sonha o mal que fez a ela.  A família espera que Deus faça justiça com relação à mesma.
     Minha mãe cuidou de meu pai até sua morte, em 2013.  Foram quase 61 anos de vida em comum. No post "Bodas de Diamante" comento este fato.
     Muitas pessoas mais jovens não sabem o que é ter um casamento duradouro, nem conseguem imaginar a beleza da cumplicidade deles, o respeito que tinham um com o outro, e o carinho através do apelido carinhoso "negrinha/negrinho".
     Quando meu irmão mais novo faleceu, tive que, juntamente com meu irmão mais velho, comunicar a ela e a meu pai o que tinha acontecido.  Foi o pior dia da minha vida, fiquei desesperada; mas tivemos que enfrentar.  A todas as vicissitudes da vida enfrentou de cabeça erguida, embora muitas vezes abaixasse a cabeça para chorar e pedir forças  ao Deus da sua fé, para logo em seguida seguir, encarando a vida de frente.
     Ela ainda nos conhece, e a todas as pessoas mais chegadas - parentes, amigos - mas, aos poucos, sua memória está se retraindo, mostrando-nos muitos fatos de sua infância e juventude, mas esquecendo às vezes de pentear o cabelo, quem a visitou ontem ou hoje, que dia da semana ou do mês é, e em que ano estamos.  Assim como foi com meu pai, e duas irmãs dela, aos poucos a luz da vela está se apagando, bem devagarinho, para que a gente não sinta.  Já não consegue manter uma conversa, perde o fio da meada, e volta para as suas repetições.  Fixa alguns pensamentos ou acontecimentos que são fortes: não esqueceu a visita do neto, que trouxe o bisneto para conhecer; que a irmã e a sobrinha vieram de Porto Alegre para seu aniversário; que tinha bastante gente na festa, porém não sabe dizer quem. A incomodá-la, ainda, o diabetes, que prejudica seu prazer pelos doces, e a impede de comer o que gosta.
     Apesar de todos os pesares, vai levando a vida, com o auxílio dos três filhos que lhe sobraram, e com as cuidadoras que, além de desempenharem suas funções, tornaram-se amigas de minha mãe, por sua bondade e forma de tratar as pessoas.
     Aqui fica minha homenagem a ela, com um grande abraço e um beijo gostoso.
     Amo a senhora, mãe!


     
Minha mãe, meu irmão mais velho e eu.