domingo, 29 de outubro de 2017

DIA NACIONAL DO LIVRO



Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro - Brasil



 (Imagem:http://www1.folha.uol.com.br/turismo/956875-biblioteca-nacional-do-rio-de-janeiro-tem-recorde-de-publico-em-2011.shtml

Hoje, no Brasil, comemoramos o dia Nacional do Livro. 
Em vários lugares iniciam-se as Feiras do Livro, onde podemos comprar livros, olhar, folhear, sentir seu cheiro e, às vezes, conversar com seus autores.
Em Ijuí, começará no dia 16 de novembro, indo até o dia 19.  
Passei a fazer parte, a partir de setembro, do Círculo de Escritores de Ijuí Letra Fora da Gaveta.
É uma entidade que agrega as pessoas que têm o dom de escrever, seja no estilo que for, e tem a intenção de instigar a cultura e, principalmente, a leitura na comunidade e na região.
Publicaremos uma antologia com escritores e convidados, cada um no seu estilo: poesia, crônica, conto, memórias, história e afins.
Esperamos que a comunidade local e regional se faça presente.

A par disso, e para comemorar à altura o dia do livro, comento abaixo minhas últimas leituras:


Há muito  aguardava em minha estante As flores do mal de Charles Baudelaire.
Confesso que, inicialmente fiquei um pouco chocada com os versos em que ele invoca a morte, satã e outros entes do mal.  Mas não fiquei tão escandalizada como a comunidade francesa do século XIX com esse poeta simbolista que deu origem aos "poetas malditos".  Alguns dos versos do livro foram julgados imorais, e despertaram polêmica e hostilidades na imprensa.  Baudelaire e seu editor foram processados e tiveram que pagar multa, além de fazer nova edição excluindo os versos malditos.

Esta publicação a que tenho acesso contém todos os versos, inclusive os proibidos.  Ele critica muito a religião, Deus e muitos hábitos e costumes da sociedade da época.  Não gostei de todos, mas de alguns, sim. 

A maioria dos poemas contém rimas, às vezes interna e às vezes externa.  Mas, inegavelmente, é um poeta de categoria.
Destaco alguns poemas que gostei:

"CIV - A alma do vinho 

A alma do vinho, à noite, cantava em garrafas:
"Homem, a ti eu mando, amigo na orfandade,
Desta prisão de vidro e cera em que me abafas,
Um cântico de luz e de fraternidade.

Eu sei quanto é preciso, na colina em chama,
De pena, de suor e de sol abrasado,
Para gerar-me a vida e para dar-me a alma;
Mas não serei ingrato, tampouco malvado,

Pois sinto, ao penetrar, uma alegria pura,
Na garganta de um homem das lidas cansado,
E esse seu peito quente é doce sepultura
Onde fico melhor que em porão resfriado.

Ouves repercutir, aos domingos, baladas
E a esperança a cantar em meu seio dolente?
Cotovelos na mesa, mangas enroladas,
Tu vais glorificar-me e ficarás contente;

Farei brilhar o olhar de tua mulher querida;
A teu filho darei a sua força e cores
E serei pra esse frágil atleta da vida
O óleo que refaz membros de lutadores.

Em ti eu cairei, vegetal ambrosia,
Grão precioso dom do eterno Semeador
Pra que do nosso amor nasça a poesia
Que a Deus se lançará como uma rara flor!" 

Outro:

"XVII - A voz

Meu berço se encostava na biblioteca,
Onde romance, ciência, contos, sombria Babel,
Tudo, cinza latina com poeira grega,
Se mesclava.  Eu tinha a altura de um papel.
Duas vozes me falavam. Uma, firme e traidora,
Dizia: "A terra é um bolo cheio de doçura;
Eu posso (e tua delícia seria de durar!)
Dar-te um apetite com a mesma estatura".
E a outra: "Vem! Oh! vem! Nos sonhos viajar;
Para além do possível, e do conhecido!"
E aquela outra qual vento pela praia ouvido,
Um fantasma a vagir, em lugar não sabido,
Que acaricia o ouvido e que entanto intimida.
E eu te respondi: "Sim! doce voz! É de então
Que data o que chamar se pode de ferida
E minha triste sina.  Por trás da ilusão
Da existência imensa, no negro abismada,
Vejo distintamente mundos singulares,
E, da clarividência vítima extasiada,
Cobras arrasto que mordem meus calcanhares
E é também desde então que, assim como os profetas,
Amo com tal ternura desertos e mares;
Que rio nos velórios e que choro nas festas,
E encontro um sabor doce no mau vinho que tomo;
Que muitas vezes fatos às mentiras somo,
E que, de olhos no céu, caio em buracos ocos.
Mas a voz me consola e diz: "Guarda os teus sonhos;
Os sábios não os têm tão belos como os loucos!"

Baudelaire, Charles, 1821-1867. As flores do mal; trad. Mário Laranjeira.-SP:Martin Claret, 2011.- (Coleção a obra-prima de cada autor.)

ALCOVA

Observo teu ressonar: tranquilidade;
tua proximidade me aquece;
teu sono me acompanha;
tua paz me acalma.

O caos de lá-fora
não interpenetra a solidão de cá-dentro;
a incerteza distante
não abala a segurança inter-paredes;
o mundo além
não interfere aquém.

Somos nós
somos sós:

que exploda a placa da esquina
que se arrebente o motorista travesso
sou tua mulher
és meu avesso.


31/10/1988

sábado, 28 de outubro de 2017

ESSÊNCIA I

Sentiu que ia ocorrer a fissão,
mas não recuou.
Era necessário.
Esta necessidade não amedrontou-a,
nem a evidência da ruptura.

Muitas vezes urge
quebrar
        abrir
              ferir
para chegar à essência.

O núcleo se esconde.

Mesmo
      sentindo
               sofrendo
                        ferindo
persegue-a sempre.


Agosto/1987 -abril 1988

MENINA DA DINDA

Cabelo vermelho, rosto afogueado
olhinhos sapecas, gestos afobados,
pulas, gritas, corres, sapateias...
tens teus momentos de quietude
guriazinha querida, que me enleias
Carolina linda da dinda.


1988

(Para minha querida afilhada que, à época, era pouco mais que um bebê.  O tempo passou e esqueci-me de lhe entregar o poemeto, que aqui vai).

sexta-feira, 27 de outubro de 2017

REFLEXO CONDICIONADO

Se me perguntares a que vim
Dir-te-ei que não foi para o comum 
              não foi para o trivial
              não foi para o quotidiano.

Vim para somar ou multiplicar.

Não vim para manter,
vim para (tentar)mudar.

- Mas o que mudas? - dir-me-ás.

Até agora, nada ou pouco em ações, talvez...
Tardiamente, creio,
mudei, sim,
ao menos minha cosmovisão.

Inteirei-me, enfim,
que a repetição incomoda, liquida, massacra.

Acabar com os reflexos condicionados...
Procurar o novo.

Junho 1988

quinta-feira, 26 de outubro de 2017

MÁQUINAS

Ouço ruídos
ruídos agudos
que ecoam, trepidam, torturam,
ruídos de máquinas...
as máquinas com as quais datilografamos,
as máquinas da indústria dali da frente,
as sirenes, os apitos, ruídos de freios,
trim do telefone, o bip, o tu-tu-tu...
máquinas... robôs engendrados pelo cérebro humano
para reduzir o seu esforço.
E, talvez sem perceber,
o próprio ser humano vai,
maquinalmente,
transformando-se em uma máquina.


Lorení Dalla Corte
22/01/1973

quarta-feira, 25 de outubro de 2017

ROMPENDO CADEIAS

Vocês não ousam, embora queiram...
digamos, romper as cadeias do verniz!

Em uma época,
às vezes remota,
às vezes recente...
sonhos...

Apesar da Simone de Beauvoir,
da Colette Dowling, da Heloneida,
da Marta e de tantas outras,
há o freio,
o cabresto que as impede
via oficial
cultural
moral

de seguir o ritmo,
o som,
seus instintos natos.

(Subir em cima da mesa
e dançar a rumba... ou o samba!)


Lorení Dalla Corte  
dez.1987

terça-feira, 24 de outubro de 2017

CONVERSA DE SURDOS

Ó tu que segues tua vida,
m-o-n-o-t-o-n-a-m-e-n-t-e
entre teus discos e teus livros
quem és?

Quem está a teu lado,
todo dia, toda noite,
te ama, te entende, te quer?

Que obscura sina trouxe-te até aqui?
Que mundos,
que caminhos,
que inseguranças,
entre os movimentos de tuas sinfonias,
entre adágios, andantes e allegros
que te move? que te impulsiona?

Incógnitas...

Desconheço-te...
Desconheces-me...
somos parte de uma multidão apedeuta
cada um olhando para seu umbigo...

Conversas de surdos!
Temas de superfície!


Lorení Dalla Corte
20/08/1987

segunda-feira, 23 de outubro de 2017

SONHO



Labirinto em Nova Petrópolis/RS, onde já fui.

Foi perdido algo no meio do caminho.
Não consigo saber o que é.
Quem poderia ajudar-me, largou-me à própria sorte.

Estou procurando... revirando...
as pessoas olham-me e perguntam:
- o que estás fazendo?
- deixei algo aqui e agora venho buscar.
- o que é?
- não sei, mas sei que está aqui!

Olho para trás (não! estátua de sal!)
e quem estava comigo não está mais.
Há outras pessoas, e elas sabem o que querem.

Embora a chamasse desesperadamente de volta,
virou as costas, e foi-se.

Continuo procurando.
Os caminhos estão fechados,
o labirinto amplia-se, amplia-se, amplia-se...infinitamente!
as pessoas ao redor olham com interrogações: ???
São tão seguras...
e eu não encontro a saída...
as indicações são confusas,
há algo ou alguém que me persegue.
E este aperto no peito não me larga, chega a doer!

Lorení Dalla Corte
03/09/1988


(Imagem: http://www.gramadocanela.com.br/labirinto-verde/)

domingo, 22 de outubro de 2017

INICIAÇÃO










Cada passo poeira
Cada poeira estrada
Cada estrada caminhos
Cada caminho vitória
Cada vitória ampliação
Ampli-Ação. 

Lorení Dalla Corte
1988/out.2017

"SER COMPREENDIDO É PROSTITUIR-SE" (Bernardo Soares/Fernando Pessoa)

Os seres humanos pensam
que os outros os entendem.
No entanto, não se reconhecem.
Não há reciprocidade.

As pessoas são imprevisíveis.
Mas...é preciso referências?
É preciso o definido?
Como Lispector,
é preciso estarem organizados
para não se perderem...

Quando entendem ter encontrado
Veem mais uma vez que houve um engano.

Não encontram espelho!


Lorení Dalla Corte
abril/1987- out.2017

INVERNO









Há um frio em minha vida.
Ele vai até meus ossos.
Deve ser assim o frio da morte -
penetrante, irredutível, definitivo.

Além do frio físico
- Nevou há poucos dias -
o frio da alma.

Lembra minha avó.
Vó Deza,
gelada para sempre
em trinta de novembro.

Ela sempre foi muito friorenta
(no Rio Grande do Sul é difícil não ser)
e morreu no verão.
Talvez para não sentir tanto frio.


Lorení Dalla Corte
1º/08/1990- Caxias do Sul/RS. 

(Imagem: http://www.sitedecuriosidades.com/curiosidade/curiosidade-sobre-a-formacao-da-neve.html)

sábado, 21 de outubro de 2017

POEMA MITOLÓGICO/POLÍTICO/ECONÔMICO



Resultado de imagem para IMAGEM MITOLÓGICA DO ANDRÓGINO
O SER ANDRÓGINO, SEGUNDO A MITOLOGIA


Mulher.
Nasce com todas as características femininas.
O que elas representam?
Um estigma.
Sendo assim, está bipartida.
Não é inteira.
Quisera ser autossuficiente.
Mas os andróginos foram eliminados pelos deuses, 
nos diz Platão.

Ela precisa de outras pessoas.
Sofre porque existe e não pode fugir disto.
Sofre porque existem.
Sente-se incomodada.
Ama o que não lhe é permitido.
Deseja coisas inalcançáveis.

As leis.
Escritas e não.
Ela as odeia, pois não são respeitadas.
Ou, só cumpridas contra ela.
E porque a cortam.
Quem as inventou?
Os deuses?
Não, os homens!

A evolução histórica da humanidade,
colocou-a em desvantagem.
Ao surgirem as delimitações, surgiu o poder.
E é este que lhe faz falta.
A ela e a todos os cidadãos 
que se veem manietados
dentro de estruturas encadeadas
que lhes tiram o poder da decisão.

A política, a economia, o capital
(ou a falta dele, melhor dizendo)
são massacrantes!

Ao separar o andrógino,
os deuses deveriam
ter cortado a cabeça fora.
A cabeça, em certos momentos, atrapalha.
Outras vezes, o fato de ser mulher.


Ago/1987- abr/1988- out.2017 mar/23

Imagem:https://www.google.com.br/search?q=IMAGEM+MITOL%C3%93GICA+DO+ANDR%C3%93GINO&client=firefox-b-ab&dcr=0&source=lnms&tbm=isch&sa=X&ved=0ahUKEwjcvITq5YHXAhWKkpAKHSnPCPoQ_AUICigB&biw=1366&bih=635#imgrc=IWxaAUy1luagPM:)

sexta-feira, 20 de outubro de 2017

VALORES




pinups gordinhas (3)
                                           

As alterações no corpo:
quando jovem, magrinha, elegante, carnes rijas.
Após a maternidade, 
o organismo altera-se.
São as vicissitudes sobre as quais
a mulher não tem poder de esquivar-se.

A alteração é lenta, gradual.
Não sei se faz parte da biologia,
ou se é decorrente do cultural.
Com as gerações anteriores ocorreu o mesmo:
avó, mãe, ela...

Barriga ('peito caído', dizem eles) de 'executivo'.
"Charme".
Careca (é deles que elas gostam mais, já dizia a marchinha, antiga, de carnaval)
Grisalho.  Meia-idade. 

Dois pesos, duas medidas. 
Valores.
Para a mulher, o processo do corpo pela vida
é considerado ruim, anormal.
Para o homem, a transformação é bela, digna, impõe respeito.
Segundo eles, excita as mulheres jovens.

São séculos e séculos de afronta, 
de manipulação,
de imposição de ideias,
de eles dizerem como as mulheres devem ser.

Está na hora de mudar as cabeças levianas e espevitadas.
A fêmea humana deve tomar as rédeas do seu corpo e da sua mente.
A plástica para os dois, ou para nenhum.

Amadurecer. Que lindo!
Aceitação.
Viver é isto.


Resultado de imagem para desenho homem barrigudo



Lorení Dalla Corte
18/04/1988. 

(Imagens: http://novovillarejo.blogspot.com.br/2011/09/sketches-1.html
http://belezasemtamanho.com/pinups-gordinhas-calendario-2016/ )

quarta-feira, 18 de outubro de 2017

Miopia do mundo

Sócrates disse:
"eu só sei que nada sei".

Eu digo:
eu nem sei se "só sei que nada sei"

Eu digo
palpito
respiro
pulso
vejo ou entrevejo

há névoas

há véu
que é espesso.

Lentes,
para suprir 
a miopia do mundo.

Lorení Dalla Corte 
19/06/1989

quinta-feira, 12 de outubro de 2017

INFÂNCIA





Jogo de caçador ou queimada


Meu pai levantava-se cedo.
Fazia suas abluções matinais, na bacia sobre o tripé.
A toalha era feita em casa, tecido fino, bordado, com franjas.
Seu rosto era magro e moreno. 
A Prefeitura o aguardava com suas obras.

Minha mãe acordava-me cedo, mais cedo ainda,
Passando o pano por debaixo da minha cama, nossas camas.
Ela gostava de trabalhar de manhã.
No forno de barro,
as brasas já brilhavam, avermelhadas,
acendiam
meio se apagavam.
E o calor já antevia 
as cucas, os pães deliciosos, enormes, macios
amassados por suas belas mãos
na noite anterior.
A roupa já no varal.
O que era branco, ardia nos olhos de tão branco:
panos de prato, lençóis, fronhas, uniformes escolares.
O feijão chiando na panela de pressão.

Levantávamos correndo, meus irmãos e eu.
O café, passado no saco, com leite, gostoso, 
deixava no ar o seu aroma chamativo;
pão com schmier e manteiga caseiras.
Corrida lépida para a escola, a duas quadras de casa.
O mano mais novo dormia, privilégio de ser o bebê.

Na escola, D. Helena preparava
a sopa mais gostosa do lugar.
Meu irmão mais velho e eu, sagazes...
entrávamos duas vezes na fila da merenda.
Não era fome.
Era a delícia da sopa. As serventes faziam de conta que não notavam,
piscavam o olho.
Grupo Escolar Nossa Senhora da Penha.

Meio-dia todos ao redor da mesa.
Oração - cada dia um que fazia -
e todos não queriam...
criança quer comer, tem uma fome infinda,
sem esperar formalidades religiosas.

Lembro... com carinho e saudade
o brilho do arroz
a batata pulando, ainda, na panela,
ensopada, dividindo espaço com o guisado.
O feijão fazia bolhas em seu caldo grosso.
E as verduras, sempre renegadas por nós, crianças,
estavam lá, no seu prato.
Sobremesa: doce de abóbora, delícia gaúcha.

À tarde...ah, à tarde...
mãe descansava com o bebê,
irmãos fugiam para a sanga,
e eu já lidava com meus alunos imaginários.
No quadro, presente de Natal,
repassava toda a matéria do dia.
Imitava minha professora, Santa Edy Nehring:
seus gestos
seu tom de voz
sua letra...
explicava tudinho.
Não sabia, àquele tempo,
que estava estudando,
reforçando o que aprendera no dia.

Tardinha,
após o lanche: batida de banana com leite,
pão feito de manhãzinha,
era a hora de reunir a gurizada da rua, na rua de chão batido.
Guris e gurias da vizinhança:
jogo de sapata, passar o anel, diabo rengo, 
jogar caçador (eu era sempre a que morria primeiro...)
brincar de letz, de se esconder...

Infância, infância!
Estás tão lonnnnnngeeeeeeeee...

E tinha um tempo em que as formigas de asas
nos perseguiam, perseguiam, perseguiam...
ficavam voando ao nosso redor, nos mandando embora.

Escurecendo...
a mãe chamava:
-Hora do banho e da janta!

Entrávamos, não sem, primeiro, titubear, empurrar a hora.

Meu pai mateava, dividindo seu dia com a mãe, que cuidava do pequeno.
E, cansados,
felizes,
rostos afogueados,
suados e sujos da poeira,
disputávamos o chuveiro.

Noite chegando,
janta na mesa,
lassidão no corpo,
alma leve,
noite boa de sono.

Infância, infância...
impossível não sentir nostalgia.

Lorení Dalla Corte
12/10/2017


(Imagem: http://www.fazfacil.com.br/lazer/como-jogar-queimada/)

segunda-feira, 9 de outubro de 2017

Escritura





             Quem poemeia
             quer ser diferente de todo mundo
             quer escrever algo além
             do que todo mundo já pensou
             quer ter a ideia original.
             Coisas que pensa, encontra escritas em                 livros, 
             livros de autores que são de outras épocas
             ou de outros lugares
             ou de outras gerações
             ou de outras culturas
             ou...

             Quem escreve, e pensa,
             pensa e escreve igual?
             raciocina na mesma direção?
             É influência, referência, cultura,                     registro?

             É difícil o estalo.

             Escrever é um caso de orgasmo 
                             de letras
                             de signos
                             de ícones.

                                 Difícil, às vezes, de se chegar.
              Outras vezes....!
              Saltam as palavras abruptamente.



Lorení Dalla Corte.
Maio/87 - abril/88 - set.90

domingo, 8 de outubro de 2017

MEUS VERSOS







Eu quero fazer meus versos
não como quem morre,
mas como quem ama a vida.

Eu quero fazer meus versos,
não para homenagens póstumas.

Eu quero fazer meus versos
mesmo que sejam a única arma de que disponha
para expor uma realidade
um ponto minúsculo da história
o momento do meu tempo

Eu quero fazer meus versos
mesmo que você não os leia
mas para que saiba que,
apesar:
da energia nuclear perigosa
da liquidação do ecossistema,
da cultura atrofiada do meu povo,
da fome, da doença, dos casebres,
dos sem-terra, dos sem-teto, dos sem-emprego, 
dos sem escola, dos sem comida, 
do salário magro, dos políticos corruptos,
dos governantes poderosos e cruéis,
dessa horrenda realidade
que me envolve e me angustia,
eu parei um instante
e fiz estes versos.

Os poetas - dizem há séculos - são loucos.
Viva esta loucura!

A poetisa é a pessoa que pára, no meio da guerra,
para fazer anotações
ao lado da metralhadora, do míssil, do botão vermelho,
da chuva amarela caindo em sua cabeça.

É a mensagem da garrafa.
Alguém lerá.
E sorrirá, pois haverá compreensão
e comunhão de ideias.



Lorení Dalla Corte.
Abril 1987/1988.

(Imagem: http://www.canaanoticias.com.br/entretenimento/casal-encontra-a-mais-antiga-mensagem-em-garrafa-da-historia/)
 

sábado, 7 de outubro de 2017

Do fundo do baú




 Quem tem a pretensão de escrever, sempre tem seu baú escondido. Nele, está o seu tesouro, seus escritos secretos, suas mais brilhantes ideias. 
Também tenho o meu, mas não é um baú; é uma caixa de mudança, na qual, na última que fiz, coloquei o saldo do livro que publiquei (tenho alguns exemplares ainda para vender); rascunhos, crônicas, contos, poemas, recortes de jornais, revistas,...
Como quero livrar-me da caixa, e, consequentemente dos escritos, os que, hoje, considero passíveis de serem lidos, trarei para cá. Os demais serão sumariamente eliminados,      pois não merecedores de atenção.
A eles, pois, todos devidamente datados, como incumbe a uma preciosista como eu.

Em setembro de 1990, pelo que vejo, li "O retrato de  Dorian Gray", de Oscar Wilde. E já naquele tempo, tinha a mania de  fazer comentários às minhas leituras. Ei-los:

Oscar Wilde, em uma linguagem rebuscada, descritiva, nos detalha de forma mordaz a sociedade inglesa do século XIX. Sir, Lady e demais termos, criados, nobreza, orgulho do sangue britânico são evidenciados. Luxo, ostentação, desperdício saltam aos olhos. E, também, o menosprezo pelas classes baixas - o povo-, pois a nobreza não admitia que tivessem o "mesmo sangue".
Mortes por suicídio, indução ao suicídio, assassinatos transparecem na obra.
Dorian Gray é o símbolo do Narciso, do Apolo e de outras entidades representativas da beleza, do egoísmo, do orgulho. Era um homem muito belo. Ele se amava muito e, como não pretendia envelhecer, vendeu sua alma ao diabo. Na negociação, o retrato envelheceria em seu lugar, e ele permaneceria belo e sensual para sempre.
Lord Henry é o símbolo da consciência irônica, cruel,  mordaz; influi sobre Dorian - um fraco,  transformando-o num pérfido.
Outras personagens - vários duques, lordes, etc, surgem em jantares, óperas, clubes...a ociosidade e a futilidade em pessoas. Mulheres que seduz, pessoas que ele mata.  Até chegar à conclusão que é uma pessoa má; então, mata o retrato...mas quem morre é ele mesmo, transformado em um velho, enquanto o retrato volta a representá-lo como jovem.

Excertos:
"Os camponeses deitam cedo, levantam cedo pois têm  tanta coisa a fazer...não sabem o sabor do 'pecado', da luxúria, dos prazeres mundanos. Não sabem viver a noite. São completamente sem graça, sem escândalos".
"Um  livro não é, de modo algum, moral ou imoral.  Os livros são bem ou mal escritos. Eis tudo." (Oscar Wilde, no prefácio). Mais:
"Pensamento e linguagem são para o artista instrumentos de uma arte"
"Na realidade, a arte reflete o espectador e não a vida".
"Toda arte é completamente inútil".

Inspirada pelo livro, escrevi  um 

                                      HAI-KAI DA BELEZA

                                     Que belo trato:
                                      permaneço bonita
                                      envelhece o retrato.
            
                                      (Para Dorian Gray, belo personagem). (26/09/1990)

Wilde, Oscar. O retrato de Dorian Gray. Abril Cultural, 1972, 1ªed., trad. Oscar Mendes, 270p.