segunda-feira, 20 de novembro de 2017

PULSAÇÃO


 
 
Foto da autora
 
 O fenômeno da vida me encanta,
fico deslumbrada!
Consegui recolocar no ninho
um passarinho faminto e ferido.
Creio ter caído dele ao nascer.
Abria, desesperado, seu biquinho,
piando dor, frio, sede, fome.

Era feio,
mas era uma vidinha,
um corpinho que pulsava,
mas que ia ficar bonito,
e cantar manhãs e sóis e primaveras...
 
 
 
 

 


 
(Imagem: https://animais.umcomo.com.br/artigo/como-cuidar-de-filhote-de-bem-te-vi-21328.html )
 

FONTE



  
Busquei-te, sedenta.
Lábios secos,
verifiquei que secaras.

Gretada, estorroada:
lancei mãos ao trabalho:
abri valetas
fendi pedras
alimentei-te, fonte, com meu esforço.
                Suei
                escutei
                sofri
                chorei

Aos poucos
luminosamente
vejo brilhar teu sorriso.
Pérolas verdes
brotando água
para saciar, alegremente, minha sede.



segunda-feira, 6 de novembro de 2017

CICATRIZ

Houve um tempo em que eu tinha certezas.
Houve um tempo em que eu sabia o que queria.
Olhava o mundo de frente
Olhava nos olhos das pessoas
Agredia com expressões fisionômicas.
Era sincera, agressiva,
não media as palavras, que jorravam como verdades
indiscutíveis, sôfregas.
Eu discutia com meu Deus.

Houve um tempo, logo depois,
em que eu tinha dúvidas.
Dúvidas, angústias, incertezas,
sofrimentos atrozes, análises espezinhantes...
Medo. O grande, o terrível, o enfadonho, o abominável medo.
Da vida, de não conseguir, de não obter, de não conquistar,
de não ser.
As profundezas, o precipício, a agonia de tentar compreender.
A cabeça pendeu.
Deixei-o de lado.

Hoje...é tempo de buscar, de amenizar.
É tempo de não sofrer, de cicatrizar.
É tempo de soltar, fluir e usufruir.
É tempo de aceitar, de admitir, de ouvir, de levantar a cabeça.
Viver, amar, olhar os olhos novamente.
Ele é meu amigo.



Final de 1985.

sexta-feira, 3 de novembro de 2017

Desafio Literário - Círculo de Escritores de Ijuí lança Antologia


A antologia com Artigos, Cartas, Contos, Crônicas e Poemas de escritores de Ijuí/RS que fazem parte do Círculo de Escritores de Ijuí - Letra fora da gaveta, foi lançada em novembro de 2017, na Praça da República, durante a Feira do Livro.
Além dos Autores, estiveram presentes autoridades, o público leitor - crianças, jovens, adultos, idosos - além de amigos e familiares dos escritores.
O livro pode ser adquirido com os Autores, sendo esta blogueira uma delas.

quarta-feira, 1 de novembro de 2017

JORGE LUIS BORGES, um escritor fantástico





A minha ideia infantil de 'ler todos os livros do mundo' continua de pé; entretanto, acrescentei a palavra "possíveis" à frase.
Como em toda minha vida não fui leitora o tempo todo, pois, evidentemente, tive que trabalhar para me sustentar e à minha família, não consegui ler todos os livros que queria, nem todos os autores que queria.
Porém, nunca é tarde, diz o ditado.
Jorge Luis Borges, o argentino de quem muito ouvi falar, finalmente chegou às minhas mãos.  Só agora?, dirão.  Pois é, só agora.
"História da eternidade" é a primeira obra dele a que tenho acesso. Buscarei outras, com certeza.
Dando uma rápida lida em sua biografia, vejo que - sem modéstia - temos alguns pontos em comum.  Ele amava ler; dizem ser dele a frase:
"sempre imaginei que o paraíso seria um tipo de biblioteca"; "Não tenho a certeza de que eu exista. Sou todos os escritores que li, todas as pessoas que conheci, todas as mulheres que amei, todas as cidades que visitei, todos os meus antepassados.” 
E assim por diante.
Na sua história da eternidade, publicado em 1936, que contém, além do texto que dá título ao livro, ensaios sobre: As kenningar; A metáfora; A doutrina dos ciclos; o tempo circular; os tradutores das 1001 noites; e Duas notas: a aproximação a Almotásim, A arte de injuriar.
Não me estenderei fazendo uma análise profunda do livro.
Observo que sua linguagem é rebuscada, há referências a autores filósofos, escritores da literatura mundial, uma crítica ferrenha e comparativa entre vários autores, e um grande conhecimento literário e cultural. Borges é admirável, além de grande.

Sintetizando: Em História da eternidade, analisa as diversas formas de medir o tempo a que a humanidade foi submetida. Traz autores gregos entre tantos outros. Ressalto, no início:
"Invertendo o método de Plotino (única maneira de aproveitá-lo) começarei por lembrar as obscuridades inerentes ao tempo: mistério metafísico, natural, que deve preceder a eternidade, que é filha dos homens.  Uma dessas obscuridades, não a mais árdua nem a menos bela, é a que nos impede de precisar a direção do tempo.  Que flui do passado para o futuro é a crença comum, mas não mais ilógica é a contrária, aquela que Miguel Unamuno gravou em verso espanhol:

"Noturno, o rio das horas flui
de seu manancial, que é o amanhã
eterno..."

Alguns excertos:

"A eternidade é um mero hoje, é o fruir imediato e lúcido das coisas infinitas".
"Viver é perder tempo: nada podemos recuperar ou guardar a não ser sob a forma de eternidade (Jorge Santayana)".
"O tempo, se podemos intuir essa identidade, é uma ilusão: a indiferenciação e a inseparabilidade de um momento de seu aparente ontem e de outro de seu aparente hoje, bastam para desintegrá-lo".
"...a vida é pobre demais para não ser também imortal."
"O melhor documento da primeira eternidade é o quinto livro das Enéadas; o da segunda, ou cristã, o décimo-primeiro livro das Confissões de Santo Agostinho. (...) Pode-se afirmar, com uma suficiente margem de erro, que "nossa" eternidade foi decretada poucos anos depois da doença crônica intestinal que matou Marco Aurélio (...).  Apesar da autoridade de quem a ordenou - o bispo Ireneu -, essa eternidade coercitiva foi muito mais que um simples paramento sacerdotal ou um  luxo eclesiástico: foi uma resolução e foi uma arma."
Várias e profundas reflexões sobre a eternidade andam pelo texto.

Lembrei, ao ler suas reflexões sobre o tempo/eternidade, que, dia destes, em meu caderno antigo, achei algumas anotações que fiz de falas de meus filhos mais velhos, quando pequenos. Rindo, pensei: acho que eu tinha um pequeno filósofo dentro de casa.  Vejam o que disse meu filho Gérson, aos 9 anos de idade:
"- Mãe, amanhã não existe.
Eu: - Por quê, filho?
- Por que o amanhã nunca chega; hoje é o amanhã de ontem, e amanhã vai ser o outro hoje, e ontem é ontem..."

Comentarei somente mais um dos ensaios: "A doutrina dos ciclos".
De forma ácida, irônica e irrefutável, Jorge Luis Borges dá um chega pra lá na teoria do 'eterno retorno' de Nietzsche (Assim falou Zaratustra).
Primeiro, matematicamente, fazendo alguns cálculos cabeludos sobre  de quanto em quanto tempo poderia haver o retorno à estaca zero, e a repetição da história. Chega a ser cômico: "O atrito do belo jogo de Cantor com o belo jogo de Zarathustra é mortal para este último.  Se o universo consta de um número infinito de termos, é rigorosamente capaz de um número infinito de combinações - e a necessidade de um Regresso fica vencida.  Resta sua mera possibilidade, computável em zero."
Gol de Borges!
E refere: "Escreve Eudemo, parafraseador de Aristóteles, uns três séculos antes da paixão e morte de Cristo: A acreditar nos pitagóricos, as mesmas coisas voltarão pontualmente e estarei comigo outra vez e eu repetirei esta doutrina e minha mão brincará com este bastão, e assim por diante." Na cosmogonia dos estóicos, Zeus se alimenta do mundo: o universo é consumido ciclicamente pelo fogo que o gerou e ressurge da destruição para repetir uma história idêntica."
Menciona Borges que a teoria do eterno retorno iniciou-se lá atrás, nas calendas gregas, passou pelo cristianismo e por outras teorias, das quais apropriou-se Nietzsche para formular as suas ideias - quer dizer, apropriar-se das de outros, sem ao menos referi-las, ignorando seus precursores.  E seus seguidores babaram, achando o máximo!
E para fechar:
"Sou de opinião, todavia,que não devemos postular uma surpreendente ignorância, nem tampouco uma confusão humana, demasiado humana, entre a inspiração e a lembrança, nem tampouco um delito de vaidade.  Minha chave é de caráter gramatical, direi quase sintático.  Nietzsche sabia que o Eterno Retorno é das fábulas ou medos ou diversões que voltam eternamente, mas também sabia que a mais eficaz das pessoas gramaticais é a primeira.  Para um profeta, cabe assegurar que seja a única.  Derivar sua revelação de um epítome, o da Historia philosophiae graeco-romanae dos professores suplentes Ritter e Preller, era impossível para Zarathustra, por razões de voz e anacronismo - quando não tipográficas.  O estilo profético não permite o emprego das aspas nem a erudita citação de livros e autores..."

Vale a pena a leitura. Fantástico, divertido e irônico. Além de várias referências literárias, para ampliar os conhecimentos de quem se habilitar.

Borges, Jorge Luis. História da eternidade. Trad. Carmen Cirne Lima. 4ª ed. SP:Globo, 1953.