domingo, 4 de março de 2018

"A vida é assim..."

"A vida é assim...", dizia meu amado pai em seus últimos tempos, quando ainda conseguia falar.  Sua mão trêmula segurava a cuia de chimarrão, e seus olhos tinham um olhar de distância, de ver longe onde não víamos; admirava as árvores e flores que ele plantara ao fundo de sua casa, e as  que o vizinho plantara aos fundos da dele, árvores estas que, juntas, formavam uma agradável linha verde, de cheiro de mato, de frescura, de pios de aves, de gatos subindo por elas, de amanheceres e anoiteceres.  A vida dele anoitecia...
Minha mãe repete esta frase de vez em quando; não lembra mais quem a dizia, e o  crepúsculo se aproxima para ela, lentamente, sem pressa, fazendo-a olhar ao redor com o mesmo olhar de distanciamento, de ausência, de adeus, de ver o que não vemos.
Nesse ínterim, vamos vivendo. Como diz o sambista: "deixa a vida me levar, vida leva eu...", às vezes a levamos, e às vezes somos levados: pelo trabalho, pelos compromissos, pelas responsabilidades, pelas preocupações e angústias  de nosso tempo, pelas ilusões, anseios, sonhos,  leituras, viagens, prazeres...doenças, dificuldades, restrições etárias e tudo mais.
Todavia, não devemos deixar a peteca cair, é o que aprendemos; contudo, se ela cair, a gente a levanta de novo e segue o baile.

Férias


Itapema,lotada.
 Novamente visitamos nosso amado filho e sua família; novamente tiramos nossas 2 semanas de contato com hélio, ou hélius; duas semanas de Itapema, novamente, praia que amávamos.  Ficamos em um apartamento cuja vista era magnífica; mas Itapema mudou muito depois de alguns anos; estava lotada demais, muita gente por cm², nem é m²; guarda-sóis se batendo; e um hábito terrível que os turistas desenvolveram: cada um leva para a beira do mar um aparelho de som no qual ouve suas músicas preferidas em uma altura que deveria ser proibida pela Prefeitura; ocorre que, em poucos centímetros de distância, há mais uns 2 ou 3 destes aparelhos, cada um mais alto que o outro, cada um com um estilo de música diferente, o que transformou, literalmente, Itapema/SC em uma babel musical. Um horror!  Já decidimos: nas próximas férias procuraremos outro lugar ao hélius!

Leituras

Entrementes, não parei as minhas leituras. Tanto viajando, quanto em casa, realizei-as com prazer. Ei-las:

A varanda do Frangipani, do Mia Couto. 

Ainda não tinha lido nada deste autor moçambicano, famoso em todo o mundo.
Conta a história de um assassinato dentro de uma fortaleza que transformara-se em um asilo. Há fantasmas, assassinos, enfermeira, idosos.  Embarcações, armas, ondas batendo no rochedo.  Excelente leitura, para conhecermos um pouco da cultura africana.
Couto, Mia. A varanda do frangipani.- São Paulo: Cia. das Letras, 2007.

Os vestígios do dia, do Nobel de Literatura 2017, Kazuo Ishiguro.

Quando comecei a ler este livro, não acreditei que tinha sido escrito por um japonês.  Mas, ao ler as informações biográficas, verifiquei que ele fora morar na Inglaterra com 5 anos de idade.
Narra uma história de vida de um mordomo inglês com tantos detalhes, que cheguei a pensar que ele tinha sido um.
Tal mordomo havia servido por três décadas a um amo da alta roda política, econômica e social inglesa; depois de sua morte, a imensa propriedade é vendida a um americano, e o mordomo entra no negócio como "móveis e utensílios", e passa a prestar serviço ao novo amo.  Também detalha uma viagem dele pela Inglaterra em busca de uma antiga funcionária da casa, a governanta, que ele gostaria de trazer de volta.  Perpassam pela narrativa um estilo bastante formal, em que prevalece a hierarquia entre as pessoas, o "estilo britânico" de viver e relacionar-se.

Ishiguro, Kazuo. Os vestígios do dia, seguido de "Depois do anoitecer"; tradução de José Rubens Siqueira.-2ªed.- São Paulo:Cia das Letras, 2016.

A casa inventada, da conterrânea Lya Luft.

Lya Luft, ao lado de Lygia Fagundes Telles e Clarice Lispector, são as autoras que entraram na minha vida na juventude, quando iniciei o Curso de Letras.  E nunca mais saíram.  Gosto do estilo das três, que têm algumas semelhanças, mas carregam, cada uma à sua maneira, seu estilo próprio e inconfundível de ser escritora intimista, reflexiva e perturbadora.
Nesta Casa inventada, Lya reflete sobre a vida, de uma forma maravilhosamente humana.  Nos coloca ante os enigmas que enfrentamos no transcorrer do tempo, nossos traumas, nossas alegrias, tristezas e perdas; e vai desvendando a sua casa, peça por peça, passando pelo porão e pelo pátio, chegando ao jardim dos deuses e à escada no fim do muro.  Lya é Lya. Vale a pena a leitura.
Luft, Lya. A casa inventada.- 1ªed.- Rio de Janeiro:Record, 2017.

A arte de escrever, de Arthur Schopenhauer.

Há algum tempo li um texto, destes que circulam na rede mundial de computadores, que sugeria algumas leituras essenciais para quem gosta de escrever.  Seriam autores indispensáveis, que dariam muitas dicas e auxiliariam os pretensos escritores no seu afã.
Considerei interessante; e, como ler para mim é um hábito, concluí que, se não fizer bem, mal não faz.
O primeiro da lista que encontrei pelas minhas plagas é este, do filósofo alemão, que viveu de 1788 a 1860.
É óbvio que a distância temporal que nos separa criaria alguma dissidência na maneira de pensar e encarar a tarefa de escrever; igualmente considerando que os tempos, além de serem outros, trouxeram um conhecimento que ele não tinha, e uma tecnologia que, nem em seus maiores delírios, sonharia.
Mas vamos ao que interessa: Schopenhauer sugere que quem quiser escrever, não deve ficar lendo o que outros escritores escrevem, para não ser influenciado!  Que deve somente basear-se nos clássicos gregos e romanos, escrever em latim e jamais na língua própria de seu país! Principalmente condena seus colegas que começaram a abandonar o latim e escrever em alemão.
 Critica ferozmente seus contemporâneos, que se consideram eruditos, e que os eruditos não são nada. Cada pessoa deve desenvolver suas próprias idéias e publicá-las, procurando desconhecer o que os outros escrevem, "pensar por si mesmo".
Concordei com ele no sentido que não se deve fazer textos longos, que cansam o leitor, este condescendente, que teve a paciência e o esforço de nos ler.  Este é um exercício que devo desenvolver, pois sou muito prolixa.
Também critica a tradução, pois uma língua nunca vai conseguir transformar as idéias, pensamentos, mensagens e descrições de outra língua em algo idêntico.  É só aproximação.
Achei um tanto absurdo o livro e as idéias do autor.  Alguma coisa se aproveita. 

Schopenhauer, Arthur. A arte de escrever; tradução de Pedro Süssekind.- Porto Alegre: L&PM, 2014.

A carta roubada e outras histórias de crime & mistério, de Edgar Allan Poe.
Já havia lido dele "Assassinatos na Rua Morgue", há alguns anos atrás.
Neste livro estão reunidos alguns contos que publicou em sua atormentada vida.
Não gostei muito do estilo, pois quase todos são contos de terror ou horror, muita morte, mistério, assassinatos, tortura e outros quetais.  Não é o meu tipo de leitura preferida, mas... como havia comprado o livro e queria conhecer melhor o autor, fui até o fim.
Na realidade, todos os contos deste livro desenvolvem-se na Europa, mesmo o autor sendo americano.  Este demonstra uma grande cultura, um grande conhecimento, tem um estilo excelente de escrita, um vocabulário rebuscado e uma técnica perfeita.  Apesar de não gostar do estilo, vale a pena a leitura.

Poe, Edgar Allan. A carta roubada e outras histórias de crime & mistério; tradução de William Lagos.- Porto Alegre:L&PM, 2017.