Ensinando a amar a leitura, literatura, alto conhecimento |
Desde os 16 anos eu trabalhava durante o dia - 8 horas - e estudava à noite. Creio que já falei sobre isto. Pobre, não tinha situação financeira que me permitisse só estudar, e meus pais também não tinham esta disponibilidade de recursos. Trabalhei como secretária de um advogado, e, depois em uma Companhia de seguros; posteriormente, secretária em uma empresa de revenda de tratores e implementos agrícolas. Então, não tive como fazer o curso Normal, que ensina a lecionar. Fiz o Curso Técnico de Contabilidade, e o Curso de Letras, que era o mais perto do que eu queria - Jornalismo. Porém, este último só tinha em Santa Maria ou Porto Alegre o que, por motivos óbvios, não me permitia cursá-lo.
Era 1977. Casei no último dia do ano. Fomos morar em outra cidade, perdi meu emprego. Procurei em várias empresas para trabalhar no que eu mais entendia, mas não consegui. E surgiu a oportunidade para lecionar em uma escola particular e numa pública - ambas sempre carentes de profissionais. Criei coragem e fui me candidatar. As duas vagas eu preenchi.
Desnecessário dizer da minha angústia nos primeiros tempos, pois desconhecia a burocracia que os professores têm que dominar, além de seus conteúdos. Precisei aprender a lidar com cadernos de chamada e suas peculiaridades, reuniões pedagógicas com a Supervisora Pedagógica. Reuniões de área, com os colegas de Língua Portuguesa. Reuniões da Diretoria da Escola e Supervisão Escolar com todos os professores. Distribuição de turmas, horários, etc, etc, etc Atividades extra-classe, sem remuneração, provas, boletins, atendimento aos pais, e assim vai.
Mas o que mais me angustiava eram as aulas.
Tive a sorte grande de ter duas colegas maravilhosas - Maria Mercedes Cavalheiro e Ilca Laskoski. Ambas praticamente me ensinaram a preparar aulas, o preenchimento correto dos cadernos, a escolher textos, a preparar provas. Devo isto a elas, e reconhecerei por toda minha vida. Como sempre tive facilidade para aprender, e aliado aos conhecimentos teóricos da faculdade, tornei-me uma ótima professora, sem modéstia nenhuma. Resultado obtido do trabalho a três.
Durante dois anos trabalhei nas duas escolas: na particular, fiquei até o fim da licença-gestante de minha primeira filha. Na escola pública, como contratada até o nascimento de meu segundo filho, oportunidade em que fiz concurso e passei a ser professora efetiva concursada.
Desde 1978 eu luto junto com meus colegas de profissão pelo que eles chamam de "valorização do magistério". Eu cansei de ouvir esta expressão. Nossos salários, desde aquele tempo, são os piores possíveis. Para 20 horas semanais, o que se entende por meio turno, um professor ganha pouco mais do que o salário mínimo brasileiro.
Na década de 80 tivemos a implantação do plano de carreira do magistério estadual. Até ali, os professores eram contratados por indicação; se tivessem divergência política com a direção da escola - que era escolhida por acordo político - o professor era demitido. Era um troca-troca de professores infernal. Então os professores, junto com o poder público - Legislativo e Executivo- implantaram um plano de carreira. E os professores, a partir de 1988, com a Constituição Cidadã, somente deveriam ser admitidos por concurso público, para evitar as perseguições políticas.
Neste plano de carreira, os mestres, no decorrer do tempo, e de acordo com sua capacitação por estudos, devidamente comprovada através de cursos universitários, passa do nível 1 até o 6, com as seguintes características, numa Progressão vertical:
N1 – Ensino Médio
N2 – Ensino Médio com estudos adicionais
N3 – Licenciatura Curta
N4 – Licenciatura Curta com estudos
adicionais
N5 – Licenciatura Plena
N6 – Pós-Graduação.
Também os professores são submetidos às Classes, que vão da "A," a "F", assim:
Progressão horizontal: Se dá através do sistema de promoções de
classes (A, B, C, D, E e F), tanto por antiguidade, como merecimento, todas
definidas por um percentual de 10% sobre o valor da Classe A. A avaliação é periódica,
e valoriza a formação permanente através de cursos de aperfeiçoamento e
atualização.
Quando ingressei no magistério, entrei na classe A, nível 3. Depois de cursar a Licenciatura Plena - já com dois filhos pequenos, morando em uma cidade distante 40km da faculdade, consegui ser promovida para o nível 5. Depois de alguns anos, não sem dificuldade - NUMA FACULDADE PARTICULAR, SEM NINGUÉM QUE BANCASSE MEUS ESTUDOS - concluí o Curso de Pós-graduação, conseguindo atingir o nível 6.
Neste meio-tempo, fui lecionando para alunos de ensino fundamental, a partir da 5ª série, e para alunos de ensino médio.
Tornei-me, ao lado dos meus colegas, uma lutadora. Filiei-me ao sindicato dos professores estaduais gaúchos, o CPERS/SINDICATO.
Nossa luta nunca foi sossegada.
Apesar do plano de carreira, nossos salários sempre foram muito baixos, aviltados mesmo. Comparando com a pessoa que eu pagava para cuidar de minha casa e meus filhos enquanto eu trabalhava, quase tudo que eu ganhava ia para ela, se não considerasse o pagamento do INSS. Mas com carteira assinada, eu ficava no déficit.
Por que não mudei de profissão, como muitos me diziam?
As pessoas que sugerem a um professor que mude de profissão nunca entraram numa sala de aula repleta de pessoinhas que aguardam ansiosamente, com rostos curiosos por saber de que vais falar.
Desconhecem o prazer que é quando um aluno diz "agora entendi, professora", e fica radiante diante de sua evolução e aquisição de conhecimento. Não conhece o brilho dos olhos dos alunos pelo prazer de aprender.
Desconhecem o que é adquirir o conhecimento, através do estudo, repassar o mesmo aos alunos, e instigá-los a buscar mais, não ficar somente com aquilo que é passado na escola.
Nunca vi alguém dizer a um médico, advogado, engenheiro, banqueiro, empresário, odontólogo, e profissionais de outras áreas do conhecimento: "Não está satisfeito? Procura outra profissão."
O que vi, durante o período em que me dediquei ao magistério: alunos que entravam no começo do ano com muitas dificuldades de escrita, vocabulário, conhecimentos gerais, temas da atualidade; desconhecimento da literatura, tanto brasileira quanto estrangeira; desconhecimento de fatos históricos, que muitas vezes são narradas literariamente; com dificuldades de leitura e compreensão de textos simples, os quais, a todos eles, dediquei-me com vontade, lucidez, persistência, mania de perfeição, alegria e vontade de vê-los melhor, no fim do ano, do que entraram. Ensinei-lhes o que é o conto, o prazer da poesia, da leitura em voz alta, da escrita nos vários estilos adequados às séries, a conhecerem o romance, e os vários estilos e autores. E quando chegava o fim de ano, pegando uma redação dos primeiros dias e uma dos últimos - eu era louca, fazia uma redação por semana em cada turma - dava prazer comparar e verificar a evolução. E o Brasil precisa de professores. Já pensaram quando todos abandonarem a profissão?
Mas... por que falo tudo isto?
Por que durante todo o tempo em que fui professora, tive que brigar com os governadores do Rio Grande do Sul. Todos, sem exceção, desde 1978, achataram e achacaram nossos vencimentos, considerando-nos profissionais de segunda classe, se comparados com mestres de outros países. Sempre estivemos correndo atrás da máquina, fazendo reivindicações, greve, viajando do interior do Rio Grande a Porto Alegre para bater às portas do Palácio Piratini, esmolando aumento. E esmolando a construção, manutenção de escolas; a criação de bibliotecas, laboratórios, quadras esportivas, nem se fala em auditórios. E merenda escolar, pois são alunos de escola pública, a grande maioria pobres.
Hoje, não esmolamos aumento, nem isto. Muito menos a manutenção da escola.
Aposentados, ao lado dos que estão na ativa, mendigamos o simples pagamento dos vencimentos, o que, muitas vezes, com vários governadores, tivemos que correr atrás. E muitos nos agrediram, dizendo que o que pesa na folha de pagamento são os aposentados. Depois de tantos anos dedicados ao afã de ensinar, somos considerados pesos! Muitos de nós, com idade avançada, com diversas doenças que precisam ser tratadas, atendidas, vêem-se à mercê de governadores inescrupulosos que, não duvidamos, teriam vontade de liquidar-nos para não ter que nos pagar.
Mas o atual governador conseguiu superar os demais: além de parcelar os vencimentos, está ameaçando não pagar. É o cúmulo do ABUSO DE PODER E DE AUTORIDADE. Os professores e os funcionários públicos trabalharem e não receberem seus vencimentos, que são considerados ALIMENTOS!
É UM DESRESPEITO À DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA, insculpido na nossa Constituição Federal.
O presente texto, além de repudiar a decisão do governador Sartori, é uma DENÚNCIA sobre o que governadores incompetentes administrativamente vêm fazendo com o Magistério Estadual do Rio Grande do Sul, no decorrer do tempo. E descumprindo, reiteradamente, o que é de sua competência como Poder Executivo Estadual, ou seja, manter os percentuais legais para a educação, incluindo neste percentual o pagamento dos vencimentos dos professores- nem se fala em cumprir Lei Federal sobre o Piso do Magistério- e a manutenção das escolas.
O orçamento do Estado está comprometido? Quando a pessoa adere a funções políticas, sabe que vai ter que dar seus pulinhos para resolver os problemas do Estado. Já dizia um ditado popular muito antigo: quem não tem competência, não se estabeleça.
O orçamento do Estado está comprometido? Quando a pessoa adere a funções políticas, sabe que vai ter que dar seus pulinhos para resolver os problemas do Estado. Já dizia um ditado popular muito antigo: quem não tem competência, não se estabeleça.