segunda-feira, 25 de fevereiro de 2019

E o mundo continua girando...

                                                

                                                          Resultado de imagem para carlos ruiz zafón o prisioneiro do céu




        Nos últimos anos minhas férias têm repetido o roteiro.
       Visito meus filhos e suas famílias, mato só um pouquinho da saudade deles e dos netos, estes seres que entraram em nossas vidas para alegrá-las, movimentá-las e nos estimular a nos mantermos vivos.
      Nesse ínterim, exercitei meu vício com bastante frequência, com as leituras mais variadas. Ei-las:

  •          A quadrilogia de Carlos Ruiz Zafón “O cemitério dos livros esquecidos” encheu-me de prazer de ler um bom romance, bem escrito, com linguagem poética de destaque, uma inserção temporal magnífica que percorre os anos que antecederam, durante e sucederam as guerras espanholas e europeias.

       Refere-se a escritores, livreiros, editores, bibliotecas, a vida de quem escreve, de famosos, de políticos,  de familiares e muitas outras pessoas.
As personagens, as paisagens de Barcelona e Madri, Paris e outras cidades europeias, estimularam a minha veia viajante; quero conhecer essas paragens; os acontecimentos lúgubres, macabros até, mas outros de um lirismo ímpar, nos embebem do prazer de ler, de ficar preso ao livro (mesmo pesado), às palavras mágicas e perfeitas, nos lugares certos; os diálogos fantásticos; a imaginação do autor, ligada a um vocabulário esplêndido, descrições criteriosas, desenvolvimento do texto com um envolvimento fantástico.  Obras que valem cada minuto, cada hora, cada segundo dedicado à sua leitura.  Recomendo!
Um pequeno trailer, só para aguçar a vontade da leitura:
“ (O jogo do anjo) Quando saí, fui surpreendido por uma brisa fria e cortante, que varria as ruas com impaciência e fiquei sabendo que o outono tinha entrado em Barcelona na ponta dos pés. (...) A chuva não chegou antes do anoitecer e, quando começou a cair, desmoronou em cortinas de gotas furiosas que em apenas alguns minutos cegaram a noite e afogaram telhados e becos sob um manto negro que batia com força em paredes e vidros. (...)
As palavras e as imagens brotaram de minhas mãos como se estivessem esperando com raiva na prisão da alma. (...)
Lembrei que o velho livreiro sempre tinha dito que os livros tinham alma, a alma de quem os tinha escrito e de quem os tinha lido e sonhado com eles. (...)
(O prisioneiro do céu) Quando Martín declarou em juízo que o único bom costume que defendia era o de ler e que o resto era problema de cada um, o juiz acrescentou mais dez anos à longa pena que já ia receber. (...) Tudo se perdoa nessa vida, menos dizer a verdade.
(O labirinto dos espíritos). Uma caneta não é de ninguém.  É um espírito livre que fica com alguém enquanto precisar dela. (sobre um presente raro e caro recebido pela personagem).

ZAFÓN, Carlos Ruiz. A sombra do vento. Trad. Marcia Ribas.-2ªed.-RJ:Suma de Letras, 2017, 462p.
        Idem. O jogo do Anjo. Trad. Eliana Aguiar.-2ªed.- RJ:Suma de Letras, 2017,    517p.
      Idem. O prisioneiro do céu. Trad. Eliana Aguiar.-1ªed.-RJ:Suma de Letras, 2017, 270p.
         Idem. O labirinto dos espíritos. Trad. Ari Roitman, Paulina Wacht.- 1ªed.- RJ: Suma de Letras, 2017, 679p.
  •          O livro de Fernando Pessoa, “Melhores poemas” aguardava há uns três anos a sua leitura (até considero releitura, uma vez que muitos desses poemas já havia lido em outras obras do autor).  Para mim, ler Pessoa tem que estar com o espírito preparado, não pode haver estresse, preocupações, compromissos, pois Pessoa, escrevendo poemas, é leitura reflexiva, meditativa, profunda, que me leva a um estado de imersão nas palavras que considero muito intenso.

    Nesse livro, há poemas selecionados por Teresa Rita Lopes;  poemas de Fernando Pessoa ele mesmo; de Álvaro de Campos, Ricardo Reis e Alberto Caeiro.
Como apaixonada por sua literatura, amo todos, e viajo em sua imaginação fértil, suas descrições poéticas, que relatam – datadas – sua vivência, suas observações, os países por onde andou, o que fez, sobre o que refletiu. Pessoa...é Pessoa. Nada mais a acrescentar.
     Só para relembrar, uma pequena amostra do heterônimo Alberto Caeiro, n’O guardador de rebanhos:

XLVIII
DA MAIS ALTA janela da minha casa
Com um lenço branco digo adeus
Aos meus versos que partem para a Humanidade.

E não estou alegre nem triste.
Esse é o destino dos versos.
Escrevi-os e devo mostrá-los a todos
Porque não posso fazer o contrário
Como a flor não pode esconder a cor,
Nem o rio esconder que corre,
Nem a árvore esconder que dá fruto.

Ei-los que vão já longe como que na diligência
E eu sem querer sinto pena
Como uma dor no corpo.

Quem sabe quem os lerá?
Quem sabe a que mãos irão?

Flor, colheu-me o meu destino para os olhos.
Árvore, arrancaram-me os frutos para as bocas.
Rio, o destino da minha água era não ficar em mim.
Submeto-me e sinto-me quase alegre,
Quase alegre como quem se cansa de estar triste.

Ide, ide de mim!
Passa a árvore e fica dispersa pela Natureza.
Murcha a flor e o seu pó dura sempre.
Corre o rio e entra no mar e a sua água é sempre a que foi sua.

Passo e fico, como o Universo.”

PESSOA, Fernando. Os melhores poemas de Fernando Pessoa. Seleção de Teresa Rita Lopes.-9ªed.-SP:Global, 1997, 171p.

  •          No retorno da viagem, organizando minha biblioteca (serviço interminável em minha vida, porquanto estou sempre a comprar livros...), encontrei um livrinho do Mário Quintana, que tinha dado a meus filhos quando pequenos.

   Esconderijos do Tempo trouxe-me a leveza desse nosso maravilhoso poeta gaúcho, com sua linguagem quase coloquial, suas palavras acessíveis, suas imagens poéticas deliciosas, seus quase enigmas em poucas palavras. Releitura prazerosa, aconchegante, contentamento incrível. Aconselho!
Destaco, aqui, um pequeno poema que está no imaginário de todos os seus leitores:

ENVELHECER
Antes, todos os caminhos iam,
Hoje, todos os caminhos vêm...
A casa é acolhedora, os livros poucos
E eu mesmo sirvo o chá para os fantasmas...

                   Silêncio. Solidão. Serenidade.

Quero morrer na selva de um país distante...
Quero morrer sozinho como um bicho!
         Adeus, Cidade Maldita!
Que lá vai o teu Poeta.

Adeus para sempre, Amigos...
Vou sepultar-me no céu!

                   E todos esses que aí estão
                   Atravancando meu caminho,
                   Eles passarão...
                   Eu passarinho!”

QUINTANA, Mário. Esconderijos do tempo. Oficina perna de pau, com financiamentos oficiais para apresentação teatral com direção de Elena Quintana & Marco Fronchetti, sd, 31p.


E... Vida que segue, como diz um comunicador em nossos dias...