sábado, 22 de maio de 2021

Leitura na Pandemia: "A Lei da Selva", sobre a Guerrilha no Araguaia, de Hugo Studart.







Em meio ao sobe-desce dos gráficos estatísticos sobre COVID-19, tanto em relação ao número de contaminados, mortos e recuperados, quanto aos índices de vacinação no Brasil - primeira dose, segunda dose e, também, ao estímulo para que as pessoas façam a vacina contra o H1N1, vamos sobrevivendo.

Perto de nós muitas pessoas já foram contaminadas: minha mãe, para nossa tristeza, foi levada à morte pelo vírus.

Mais alguns parentes contaminaram-se mas sobreviveram, muitos amigos, conhecidos.  Outros tantos não resistiram.

Vamos fazendo a nossa parte: máscara, higiene das mãos, tirar os calçados e roupas ao chegar da rua, imediatamente tomar um banho.  Evitar aglomerações e, na medida do possível, manter-nos recolhidos em casa.  Nossa caverna protetora mantém-nos, creio, longe do mal.

Entrementes à nossa rotina diária, vamos tendo um pouco de alento e ânimo com leituras, filmes, vídeos, músicas, lives, plantando flores e temperinhos, acesso às redes sociais, conversas pelo whatsapp, entre tantas outras atividades. Pelo menos nós, os aposentados. O que não impede que tenhamos nossos momentos de tristeza, susto, pânico, medo, esperança, fé, uma mistura de sentimentos que faz parte do quadro pandêmico.

Em uma dessas redes sociais descobri um jornalista e historiador que publicou alguns livros sobre a era do que se convém chamar de regime militar. 

Embora eu tenha vivido nesse período, com minha cabeça de criança/adolescente, muito pouca coisa percebi à época.  E como venho, nos últimos tempos, procurando entender a História do meu país, tenho procurado obras que possam ajudar-me a esclarecer tais acontecimentos.

É bem difícil as pessoas comuns, como nós, termos acesso a escritores, jornalistas, historiadores famosos e  vivos.  No entanto, este senhor foi bastante gentil e me enviou seu livro para minha alegria e conhecimento.  Obrigada por me ajudar a crescer intelectualmente e entender um pouco mais da nossa História.

O autor, Dr. Carlos Hugo Studart Corrêa, "é jornalista e historiador", conforme informações constantes na orelha do livro.  "Atuou como repórter, editor ou colunista em veículos como  Jornal do Brasil, o Estado de São Paulo, Folha de São Paulo, Veja e Manchete." Colaborou com outras revistas, e "ganhou diversos prêmios de jornalismo, como Prêmio Esso.  É organizador e co-autor do livro "Os Presidenciáveis: Vida, obra e ideias dos candidatos ao Palácio do Planalto".  É Mestre em História pela UNB." Entretanto, maiores informações sobre o autor e suas obras, pode-se encontrar no seguinte endereço eletrônico:  https://hugostudart.com.br/sobre/  

Assina suas obras com uma parte de seu nome, Hugo Studart.

A LEI DA SELVA - a obra

Subtítulo: Estratégias, Imaginário e discurso dos militares sobre a guerrilha do Araguaia.

É um livro pesado.  Talvez nem fosse adequado eu lê-lo neste momento.  Mas fiquei muito curiosa, e curiosidade é bom.

Noticia o autor que o movimento de guerrilha armada com vistas à revolução teve o seu preparo iniciado na década de 60, com o objetivo de tomar de assalto o poder. Eu tinha 5 anos de idade.

Os primeiros revolucionários foram enviados à China para estudar os ensinamentos de Mao Tse Tung, líder chinês, que preparou a Guerra Popular Prolongada em seu país, a qual durou 22 anos.

Ao ler uma obra tem-se o que o autor escreveu, e tem-se o que o leitor entendeu ou compreendeu.  Nem sempre essas duas posições são aos mesmas.

A minha compreensão, em uma primeira leitura, é que os revolucionários que foram ao Araguaia para preparar a revolução não tinham a formação necessária para a guerra, uma vez que seu  planejamento não funcionou como esperavam. Ao terminar a leitura, compreendi que faltou organização e método aos revolucionários; faltou comunicação entre eles e suas bases na mata e com o alto comando da guerrilha e do partido; faltou dinheiro e alimentos e, principalmente, para quem se propõe a fazer uma guerra, faltou armamento adequado. A direção do PC do B foi egoísta, largou os guerrilheiros sozinhos no meio da selva ao deus-dará, para resolverem sozinhos os problemas que surgissem, enquanto os cabeças estavam a salvo em suas casas. Alguns deles desertaram da guerrilha na selva amazônica.  Nem um telefone, um telegrama, carta, qualquer meio de comunicação havia entre a direção do partidão e os miseráveis que se embrenharam na mata para 'fazer a revolução' por sua conta e risco. Inclusive alguns que sobreviveram e fizeram parte da política e de partidos políticos em nosso tempo.

Os militares, quando se deram por conta de que estava havendo uma revolução popular  no meio da selva, e que o objetivo era fazer a guerrilha, fazer a cabeça das massas abandonadas em zonas rurais longínquas, com o objetivo de tomar o poder, distantes da capital federal e dos grandes centros, começaram a organizar-se para defender a nação dos comunistas.

O autor conseguiu obter documentos, livros, notícias de jornais, diário do chefe dos guerrilheiros, um relatório feito por militares que participaram das campanhas na selva, documentos esses que propiciaram uma obra densa, informativa, histórica, esclarecedora do muito da névoa que permeia toda essa parte fuliginosa da nossa História.

Houve três campanhas de parte dos militares para combater a guerrilha: a primeira, Operação Peixe, que iniciou em março de 1972,  para tomar conhecimento da área  na selva ocupada pelos guerrilheiros; para conhecer os lugares (cidades), as pessoas do povo (massa) que estavam auxiliando os revoltosos e  sendo doutrinadas contra o poder central; e para determinar de que forma o combate  dar-se-ia a partir de então.

Encontraram um povo semianalfabeto, assustado, sem entender o que estava acontecendo, e temeroso dos dois lados.

A segunda campanha, denominada Operação Papagaio, desenrolou-se a partir de setembro de 1972. 

Eu tinha 17 anos, trabalhava de dia para pagar os estudos à noite.

Essa campanha teve a participação do exército, marinha e aeronáutica. Os militares da marinha, logo depois das primeiras mortes e vendo ser muito difícil a sobrevivência na selva, abandonaram a luta.

Nessas duas primeiras campanhas houve baixas tanto de um lado como de outro.  Mas, em certo ponto, como os guerrilheiros estavam estabelecidos ali há mais tempo, conheciam bem a região, tinham alguns do povo a seu favor, havia uma certa vantagem.

Em consequência disso, os militares, contando com sua inteligência e espionagem, prepararam a Operação Sucuri. Diz Studart: "O que se sabe hoje, tanto por reportagens publicadas em revistas e jornais, quanto por referências em livros, é que nesse período, na verdade, os militares não deram trégua aos guerrilheiros. Desencadearam uma guerra invisível, uma das maiores operações de espionagem e inteligência da história do País, a Operação Sucuri, que mapeou o terreno para o combate seguinte."(...) "Descobri, pelo Dossiê, que em fins de 1973, quando a tropa desceu na selva para a derradeira caçada, os militares já sabiam nome e endereço de cada guerrilheiro, suas redes de apoio, caminhos que cada um costumava traçar na mata, assim como nome e endereço de cada "estabelecido" que simpatizava com os guerrilheiros ou que poderia apoiar os militares." (p.162/163).

A terceira campanha, iniciou a 6 de outubro de 1973, em missão secreta, sigilo absoluto, que nem o Comandante da operação sabia; ficou sabendo somente dois dias antes. Organizados 30 grupos de 6 ou 7 militares. Todos descaracterizados, com identidades falsas.

Nessa campanha havia 15 militares para cada guerrilheiro. 

A ordem para os militares era para "não fazer prisioneiros" e "ninguém sai de lá".

Os acampamentos guerrilheiros foram totalmente desmantelados. Nenhum dos comandantes da guerrilha deu ordem para recuar.  Não houve apoio nem suporte aos guerrilheiros.

Os chefes do PC do B nunca admitiram que foram derrotados.

A guerra foi suja de ambos os lados.

Houve assassinatos,  decapitações, tocaias, uso das técnicas de guerrilha pelo exército para combater os guerrilheiros com as mesmas argúcias.

Em 383 páginas o autor desvenda tudo o que ocorreu nesse período tenebroso da nossa História.  Há o relato das operações; as baixas de ambos os lados; são relatadas as formas como ocorreram algumas mortes de guerrilheiros, principalmente os comandantes de destacamentos.  Há uma análise tanto do comportamento dos guerrilheiros e dos chefes do PC do B, como dos militares, desde o alto comando, a Presidência da República até aos soldados.

Dão notícia os militares que morreram 107 guerrilheiros e camponeses que participaram da Guerrilha; e há boatos nas Forças Armadas de que teriam morrido 16 militares, em todas as campanhas.

É um livro esclarecedor, profundo, pesquisa científica de alto gabarito, linguagem direta e adequada ao tipo de trabalho, fonte certa e adequada para qualquer tipo de pesquisa ou para o leitor tirar suas dúvidas quanto aos acontecimentos do período.

Está de parabéns o escritor Hugo Studart pelo excelente trabalho.


STUDART, Hugo. A LEI DA SELVA. -São Paulo:Geração Editorial. 2006.