terça-feira, 3 de julho de 2012

"Em algum lugar do paraíso"


 

Este é o título do livro  de crônicas do Luís Fernando Veríssimo que li há pouco tempo.
Aliás, este ano começou tão turbulento, tão tumultuado em minha vida, que já passamos a metade do ano e ainda estou me achando perdida, desorientada, fora do meu eixo.
Não há de ser nada, vai passar.
Mas, voltando às leituras: o que acendeu a chama da curiosidade neste livro, foi uma frase chamativa na contracapa:
 "O tempo não foi a única novidade trazida por Eva ao jardim do Paraíso.  Foi ela que, dias depois, colheu o fruto proibido, que os tornou, de uma só mordida, sexuais e mortais.  E foi depois de comer o fruto proibido, quando a Terra entrou na sombra da noite e os dois se deitaram lado a lado, que Adão sentiu seu membro, que ele pensara que fosse só para fazer xixi, se mexer.  E avisou à Eva:
-É melhor chegar para trás porque eu não sei até onde este negócio cresce."
Este excerto de crônica é o chamariz do livro, assim como, quando vamos comprar um cd (ou íamos, agora as pessoas baixam música na internet!) o que nos movia era a música carro-chefe.
Mas Veríssimo já foi melhor, muito melhor.  Eu continuo insistindo, comprando seus livros quando saem, em nome do que já foi; mas acho que ele esgotou o repertório.  Também, manter o humor, a ironia, o espírito vivaz e atilado o tempo todo, não é fácil.
Apesar de tudo, um bom livro, com algumas boas tiradas do velho Veríssimo.

Veríssimo, Luís Fernando. Em algum lugar do paraíso, RJ: Objetiva, 2011, 195p.




domingo, 1 de julho de 2012

Minha mãe.



Há muito queria escrever sobre minha mãe.  Ano passado escrevi sobre meu pai, à época do Dia dos Pais aqui no Brasil, que é em agosto, e quando do aniversário dele, em setembro. Então pensei em escrever em março, aniversário dela - não tinha condições, a morte de meu irmão era recente, seu aniversário nem foi comemorado, pois nove dias depois da morte dele.  Deixei para maio, no dia das Mães.  Mas eu ainda estava sem estrutura psicológica para isto. 
O tempo, que tudo cura, ou, pelo menos, ameniza as dores, está fazendo seu trabalho.  Não que as feridas da tristeza tenham se acabado, mas estão cicatrizando, cada dia um pouco.  Vejo isto na minha mãe também, uma mulher que dizer de fibra é pouco; que dizer heroína, é pouco; que dizer valente, é pouco; que dizer persistente, calma, firme, mulher de fé, de coragem, um amor sem tamanho pelos filhos, pela família, pelo companheiro da vida inteira, é só começar a falar a verdade.
Minha mãe nasceu em Tucunduva, um distrito do Município de Santa Rosa; seus pais eram agricultores, e estavam à procura de uma vida melhor, então saíram de Ijuí, mais precisamente Alto da União, e foram em busca de um sol a brilhar em suas vidas pobres.  Lá nasceram minha mãe, e se não me engano, também a tia Ruth. Quem souber melhor a história da família, me corrija, se eu estiver errada.
Ela e esta querida tia cresceram juntas, muito unidas, brincando, estudando, fazendo artes juntas, visto que sua diferença de idade é pequena.
Minha mãe gostava de estudar, mas só estudou até o 5º ano primário; infelizmente, à época, para famílias pobres, era difícil que seus filhos e filhas continuassem estudando.  Embora ela tenha ganho uma bolsa de estudos para fazer o magistério no Colégio das Irmãs, por ter tirado o primeiro lugar na turma, meu avô não deixou que continuasse estudando pois tinha que trabalhar para ajudar a família.  Coisas da época e da situação financeira familiar - casal e 7 filhos para criar!
Conta ela que meu avô tocava cavaquinho, e, à tardinha, todo dia sentava ele, após o trabalho, tocava e cantava músicas populares, o que a deixava enlevada.  Sempre foi muito afinada, e gostava de cantar; também gostaria de ter aprendido música, quando criança, mas, infelizmente, não deu.
Minha mãe começou a trabalhar aos 13 anos, na empresa Gressler, de Ijuí; ajudava na contabilidade e serviços gerais de escritório; era exímia na matemática, fazia contas como ninguém.
Única brasileira no meio de descendentes de alemães, havia aprendido algumas palavras nesta língua, o que lhe permitia responder em português a perguntas feitas em alemão; fato engraçado, que fez com que suas colegas não mais falassem em alemão na sua presença, pois achavam que ela entendia tudo... Como ela tinha os cabelos pretos, longos e crespos, adoravam fazer penteados, nos momentos de folga, coques e ajeitar seus cabelos.
Minha mãe conheceu meu pai com 14 anos; foi no culto de inauguração da Igreja Metodista de Ijuí; ele morava em Santo Ângelo; corresponderam-se durante um tempo, depois ele veio visitá-la, firmaram namoro e, quando ela tinha 17 anos e ele 25, casaram-se, formando um casal que se ama até hoje, e irão completar 60 anos de casados em setembro.  Desta união saímos nós, eu e mais 5 irmãos homens, sendo que dois foram natimortos. 
Minha mãe enfrentou todo tipo de dificuldade: moraram em lugares de difícil acesso, onde não havia água nem luz; teve os filhos na época em que não havia praticamente assistência médica, e era atendida por parteiras - graças a Deus experientes, que a ajudaram a nos fazer nascer com competência.
Sempre nos cuidou e educou com amor, carinho, compreensão, competência e visão, incentivando-nos a estudar e encarando os problemas de frente, nunca baixando a cabeça, sempre orando e pedindo a proteção divina para toda a família.
Embora quisesse trabalhar fora e ter  sua renda, não o fez a pedido - ou imposição - de meu pai, que é um homem "às antigas", para quem a mulher deveria ficar com as atividades do lar, somente.  E desempenhou-as com amor e competência - cozinheira de mão cheia, sempre fez delícias para saborearmos, de pratos salgados a doces, bolos, tortas, salgadinhos, almoços, jantares...e cuidou da casa e de nós com mão firme.  Ajudou meu pai a enfrentar as mais diversas difi culdades, sendo a companheira fiel, o braço firme ao redor de todos nós: doenças, desemprego, condições adversas, tudo sempre encarou com garra, uma lutadora.  E, também, nos momentos de alegria, festa, confraternização, vitórias,  era a primeira a dizer: vamos festejar, que a vida é curta!
Quando crescemos e começamos a sair de casa,  minha mãe, finalmente, pôde realizar um sonho: foi aprender música!  Com as mãos já um pouco emperradas, com 45 anos, aprendeu piano.  Seu sonho era tocar os hinos na igreja lendo as partituras musicais.  Foi, com dificuldade, mas com persistência, que conseguiu realizar seu sonho: tocou em casamentos, festas, tocava em casa, em cultos, etc.  Formou um côro que cantava nos cultos, tornando-os mais alegres e emocionantes.
Quando a família descobriu que meu irmão mais novo era doente mental, foi a primeira a encarar de frente o problema, procurar tratamentos, acompanhá-lo, cuidá-lo e protegê-lo até o fim de sua vida.  Nunca esmoreceu.  Tinha fé que a medicina ia encontrar a cura para a esquizofrenia - que eu chamo de  o câncer da alma -.  Infelizmente a medicina não evoluiu para tanto.
Apesar de todas as coisas ruins que aconteceram na vida, minha mãe é otimista.  O que ela me  passou, repito para ela agora: cada dia é uma bênção de Deus, e cada vida também.
Agradeço a Deus por ter a minha mãe ao meu lado, agora que voltei pra minha terra.  Mesmo quando estava longe, a quase 1000km de distância, era só ouvir sua voz ao telefone que eu já me sentia melhor.  Estar perto dela, poder cuidá-la e do meu pai, também, é uma alegria muito grande.  
Seus ensinamentos, sua fé, sua firmeza, seus princípios norteadores de vida irão me acompanhar a vida toda, e sua maneira de viver procuro transmitir também a meus filhos e netos.
Tê-la por perto me acalma e me anima, minha mãe.  Obrigada por ser como é e por ser minha mãe.