quarta-feira, 2 de agosto de 2023

FUGA DO BAILE

 






O velhinho de camisa vermelha dançou durante um bom tempo. Um pé-de-valsa, desde seus tempos áureos, na juventude, quando era o primeiro a chegar aos bailes e o último a sair.

Chegou ao salão onde ocorrem bailes vespertinos da terceira idade junto com os colegas do asilo, levados pela pessoa responsável pela diversão.

Todos prometeram sentar perto uns dos outros, e todos na vista da responsável.  Poderiam dançar com quem quisessem, pelo tempo que quisessem.  Mas no horário combinado, todos iriam embora juntos.

O velhinho de camisa vermelha não gostava de morar no asilo.  Preferia ter ficado na sua casa, com seus móveis, seus livros, seus LPS, seu papagaio e o cachorrinho Rex, sem raça definida, mas seu grande amigo. Com o falecimento da esposa, os filhos decidiram que ele não deveria ficar sozinho, pois esquecia de tomar os medicamentos.  Entretanto, sua cabeça estava boa, tinha boa memória, lia muito, fazia caminhadas, jogava damas com os amigos, era um velhinho ativo.  Os esquecimentos dos medicamentos eram propositais, pois não gostava de tomar remédios.

Mas os filhos ignoraram sua vontade, não respeitaram seu desejo de ficar em sua casa. 

Alugaram a casa do pai e, com a renda, pagavam a estadia no asilo, chamado pomposamente de casa de repouso.  Tudo o que os moradores do local não queriam era descansar.

No asilo tinha horário para tudo, de forma que uniformizaram a vontade de todos, desconhecendo as peculiaridades e idiossincrasias de cada indivíduo.  Hora para levantar, para tomar café, para tomar banho, para passear, fazer exercícios, dormir, almoçar, ver tv, etc.  As individualidades ficaram em casa.

Já tinham ido a vários bailes.  Era uma das poucas coisas que ele  gostava de fazer.  Ficava feliz com as músicas, com o fato de ter novamente uma mulher em seus braços, dançando, recordando sua juventude.  O prazer de dançar, rodopiar pelo salão, sentir a música penetrar em seus sentidos, deixava-o muito feliz.  Ainda mais quando encontrava uma parceira que soubesse dançar e flutuasse em sua mãos, que a conduziam com leveza.

Já tinha participado de vários bailes.

Mas, aquele dia, ia colocar  em prática o plano que arquitetara.

Não ia voltar mais para o asilo.

Enquanto todos se distraíam dançando, e quando a responsável foi ao toilette, saiu discreta e silenciosamente pela porta dos fundos e sumiu.

Ao final do baile, chamaram a polícia, pois a responsável, ao contar os velhinhos e fazer a chamada, verificou sua ausência.

Até hoje ninguém sabe onde o velhinho foi parar.




Imagem: https://pt.coolclips.com/m/vetores/vc009710/casal-dan%C3%A7ando/#  



Lorení/Joinville, 2/8/2023.