O velhinho de camisa
vermelha dançou durante um bom tempo. Um pé-de-valsa, desde seus tempos áureos,
na juventude, quando era o primeiro a chegar aos bailes e o último a sair.
Chegou ao salão onde
ocorrem bailes vespertinos da terceira idade junto com os colegas do asilo,
levados pela pessoa responsável pela diversão.
Todos prometeram sentar
perto uns dos outros, e todos na vista da responsável. Poderiam dançar com quem quisessem, pelo
tempo que quisessem. Mas no horário
combinado, todos iriam embora juntos.
O velhinho de camisa
vermelha não gostava de morar no asilo.
Preferia ter ficado na sua casa, com seus móveis, seus livros, seus LPS,
seu papagaio e o cachorrinho Rex, sem raça definida, mas seu grande amigo. Com
o falecimento da esposa, os filhos decidiram que ele não deveria ficar sozinho,
pois esquecia de tomar os medicamentos.
Entretanto, sua cabeça estava boa, tinha boa memória, lia muito, fazia
caminhadas, jogava damas com os amigos, era um velhinho ativo. Os esquecimentos dos medicamentos eram
propositais, pois não gostava de tomar remédios.
Mas os filhos ignoraram
sua vontade, não respeitaram seu desejo de ficar em sua casa.
Alugaram a casa do pai e,
com a renda, pagavam a estadia no asilo, chamado pomposamente de casa de
repouso. Tudo o que os moradores do
local não queriam era descansar.
No asilo tinha horário
para tudo, de forma que uniformizaram a vontade de todos, desconhecendo as
peculiaridades e idiossincrasias de cada indivíduo. Hora para levantar, para tomar café, para
tomar banho, para passear, fazer exercícios, dormir, almoçar, ver tv, etc. As individualidades ficaram em casa.
Já tinham ido a vários
bailes. Era uma das poucas coisas que
ele gostava de fazer. Ficava feliz com as músicas, com o fato de
ter novamente uma mulher em seus braços, dançando, recordando sua
juventude. O prazer de dançar, rodopiar
pelo salão, sentir a música penetrar em seus sentidos, deixava-o muito feliz. Ainda mais quando encontrava uma parceira que
soubesse dançar e flutuasse em sua mãos, que a conduziam com leveza.
Já tinha participado de
vários bailes.
Mas, aquele dia, ia
colocar em prática o plano que
arquitetara.
Não ia voltar mais para o
asilo.
Enquanto todos se
distraíam dançando, e quando a responsável foi ao toilette, saiu discreta e
silenciosamente pela porta dos fundos e sumiu.
Ao final do baile,
chamaram a polícia, pois a responsável, ao contar os velhinhos e fazer a
chamada, verificou sua ausência.
Até hoje ninguém sabe
onde o velhinho foi parar.
Imagem: https://pt.coolclips.com/m/vetores/vc009710/casal-dan%C3%A7ando/#
Lorení/Joinville,
2/8/2023.