quarta-feira, 25 de março de 2020

TEMPOS SOMBRIOS OU OPORTUNIDADE?

Imagem de gripe espanhola, 1918. Crédito abaixo do texto.







"Em fins de 1918 começou grassar a epidemia terrível "influenza espanhola"; dava medo na gente, morria dois ou três  numa casa.  Em casa, só eu e o papai fomos atingidos; estivemos mal, mas graças a Deus vencemos.  E no fim de 1918 terminou a guerra que tanto afligia as nações."  (Maria Augusta dos Santos Carvalho.  Memórias da Vó Deza. Ijuí:Unijuí, 1987, p. 32.

Em tempos de comunicação no ciberespaço, estamos todos conectados e medrosos, alguns em pânico, outros debochando, dizendo que é manipulação da informação, sobre o Covid-19.

Há quem diga, e são os responsáveis pelos Ministérios da Saúde ao redor do mundo, assim como a OMS,  seguido por médicos locais em todos os países, que esse vírus é perigoso, mata mesmo, que é necessário recolher-mo-nos às nossas residências, deixando as ruas livres para o vírus circular e não encontrar ninguém onde inocular-se.

Há os incrédulos, falam em teorias da conspiração, que não vão deixar de trabalhar, que não vão ficar em casa, que a pandemia é um instrumento de poder e manipulação sobre os povos.

Há tempos adotei a seguinte posição: espero o tempo passar, as notícias consolidarem-se para posicionar-me.

Entretanto, quando os noticiários de todos os canais televisivos, das rádios, dos meios de comunicação através da internet, os médicos próximos da gente, o Prefeito da nossa cidade, o nosso Governador tomam medidas enérgicas de prevenção e cuidado, eu prefiro cuidar-me a arriscar a pele que meus pais me deram.  Vou verificar a veracidade dos fatos recolhida em minha casa, onde também estão minha filha e meu marido.

Meu marido e eu fazemos parte do que se convencionou chamar grupo de risco para coronavírus: ambos somos diabéticos, ele ainda carrega o Mal de Parkinson.  Pelas informações dos meios comunicativos, eu sou ainda mais frágil: hipertensão, doença celíaca (que é uma doença autoimune), intolerância à lactose e hipercolesterolemia.  

No dia 16 de março, segunda-feira passada, antes que o governo municipal, estadual e federal ditassem a regra do recolhimento - FIQUE EM CASA! - aqui no Brasil, eu já tinha me auto-recolhido, junto com meu esposo.  Estava assustada.
No dia seguinte, minha filha, que tem alergias respiratórias, espirrou.  Decretei que não iria mais à escola.  Dois dias depois a escola mandou todo mundo ficar em casa.

Comecei a raciocinar, ao mesmo tempo que desenvolvia uma estratégia para manter-me em casa em segurança, em paz, sem crises, sem pânico: um dia faço limpezas, cozinho todos os dias, noutro dia leio, noutro dia escrevo, vejo minha mãe duas vezes por semana (85 anos, grupo de risco máximo).  Tirei meu esposo de frente da TV, senão passaria o dia inteiro, cada vez mais apavorado, e tirando a temperatura mesmo sem qualquer indício de gripe.  Também eu estou tentando (às vezes sem sucesso, reconheço) acessar menos as mídias digitais, o whatsapp, o facebook, os e-mails.
Também acredito que a nossa geração, e a de nossos filhos e netos, que costumamos não ter tempo para nada, além de nossos inúmeros compromissos, podemos aproveitar este tempo de recolhimento compulsório, para fazer aquilo que estamos protelando há tempos, e está sempre no fim da lista de afazeres diários, mensais, anuais: temos, agora, a oportunidade de limpar um armário cheio de coisas inúteis que não temos coragem de pôr fora;  derrubar aquela pilha de livros que nunca temos tempo de ler; ver aqueles filmes maravilhosos para os quais nunca sobra tempo; aprender a pintar, escrever, cantar, fazer exercícios, cuidar das plantas, cozinhar aquela receita difícil e demorada, e tantas coisas mais que cada um de nós sabe o que é. Quem sabe estivéssemos esperando por essa oportunidade e nem sabíamos?  Quando a gente se der por conta, o período de quarentena passou e nem sobrou tempo para fazer tudo que queríamos.

Lembrei-me de minha avó, da citação acima, que morreu aos 85 anos, bem depois da gripe espanhola, que a acometera e a seu pai.  Eram outros tempos, quando não havia geladeira, tv, fogão a gás, SUS, um médico em cada esquina, grandes órgãos governamentais cuidando da saúde, entre outros.

Ela vivia na colônia, a forma de vida era precária, os recursos inexistentes, e só a fé em Deus, os cuidados familiares e a higiene faziam com que as pessoas sobrevivessem. Penso, também, que alguns genes mais fortes e generosos, tenham cuidado dela.  E ela sobreviveu, assim como sua família.  Tanto sobreviveu que aqui estamos nós, seus descendentes, enfrentando outra epidemia terrível.  

A minha esperança é que sobrevivamos, com fé, recolhimento, cuidados e prevenção.  E acreditando na medicina, que evoluiu muito nos últimos tempos.

Também julgo necessário mencionar que para que nós, do grupo de risco, possamos ficar em casa, em segurança, muitas pessoas que escolheram profissões consideradas essenciais à sobrevivência humana estão expostas ao vírus, exercendo suas funções com honra, galhardia, respeito à sua profissão e aos seres humanos, verdadeiros anjos escolhidos por Deus: cuidadoras de idosos, como Nair, Mari, Iloni, Alda e Clair, que se revezam cuidando de minha mãe acamada; farmacêuticos, médicos, laboratoristas, todos os funcionários de supermercados, gás, postos de gasolina, caminhoneiros, agricultores, enfermeiros, pessoas da limpeza tanto em residências como em empresas, e todas as demais pessoas que estão correndo riscos para que sobrevivamos: A TODOS, MUITO OBRIGADA!

Imagem:https://www.grupoescolar.com/a/b/gripe-espanhola-foi-provocada-por-um-virus-das-aves-2E.jpg