domingo, 6 de maio de 2018

Conversando com Pablo Neruda






Imagem do exemplar que tenho às mãos.
Creio que há mais de 20 anos devo ter lido "A Bacarola" de Pablo Neruda.  Mas nunca é demais relermos o que nos faz bem aos sentidos, à alma, ao coração, à mente.
Há quase dois anos o havia adquirido em nossa feira do livro, pois a outra vez o li da biblioteca da escola onde lecionava.
Pablo Neruda não é Pablo Neruda, este é seu pseudônimo.  Ricardo Neftalí Reyes Basoalto, natural da cidade chilena de Parral nasceu no início do século XX, em 12 de julho de 1904. Filho de professora e de ferroviário, cresceu na cidade de Temuco, perto de florestas, em meio à natureza, de acordo com informações da breve biografia do volume que tenho às mãos.
Desde a adolescência começou a escrever e publicar textos; estudou francês e pedagogia; foi diplomata, vivendo em diversos países. Publicou várias obras, sendo aclamado pelo público chileno e mundial.
Foi filiado ao partido comunista chileno, sendo eleito senador; exilou-se devido às diversas complicações políticas pelas quais passou o Chile. Voltou ao Chile em 1952; prêmio Nobel de Literatura em 1971, faleceu em 1973 em Santiago do Chile.

A Barcarola

Já havia amado o livro a outra vez que o li, tendo recordado este prazer, agora renovado.
Nele, Neruda proclama ao mundo o seu amor à pátria, aos heróis, à cultura, às florestas, às montanhas, ao povo, à alimentação chilena, às espécies de vegetação nativa, enfim, seu amor ao Chile.
É como se ele pegasse um barco e fosse passando por diversas épocas, acontecimentos, povos, figuras públicas ou não.  Amor ao seu próprio país, ainda não vi tão grande em outro autor.
Quanto à linguagem, apresenta-se culta, com muitos vocábulos típicos da terra, estes com notas ao pé da página para melhor compreensão.  Linguagem poética elevada, figuras de linguagem expressivas.  Não à toa um prêmio Nobel de Literatura.
Os poemas são ordenados em forma de episódios.
De destacar alguns poemas que gostei por demais, e que divido com as pessoas que, como eu, amam poesia. Quem não gostar, não me leia.

"Segundo episódio:

Estou longe

É minha a hora infinita da Patagônia,
galopo estendido no tempo como se navegasse,
atravesso os tenros rebanhos trocando de passo
para não ferir as nuvens de espessa roupagem,
a estepe é celeste e cheira o espaço a sino,
à neve e a sol macerados no pasto pobre:
gosto da terra sem habitações, o peso do vento
que busca meu peito curvando a ramagem de minha alma.
(...)
E busco no rumo sem rumo da oceania terrestre
seguindo as pegadas apagadas das ferraduras,
enquanto sai a lua como o pão da boca de um forno
e se vai pelo campo amarrada ao cavalo mais lento do céu. (...)

Troquei tantas vezes de sol e de arte poética
que ainda estava servindo de exemplo em cadernos de melancolia
quando já me inscreveram nos novos catálogos dos otimistas
e apenas tinham-me declarado escuro como boca de lobo ou de cão
denunciaram à polícia a simplicidade do meu canto
e mais de um encontrou profissão e saiu a combater meu destino
em chileno, em francês, em inglês, em veneno, em calúnia, em sussurro.

Aqui levo a luz e a estendo para o meu companheiro.
A luz brusca do sol na água multiplica pombas, e canto.
Será tarde, o navio entrará nas trevas, e canto.
Abrirá sua adaga a noite e eu durmo coberto de estrelas.  E canto.
Chegará a manhã com sua rosa redonda na boca.  E eu canto.
Eu canto.  Eu canto.  Eu canto.  Eu canto."

Terceiro episódio.

Primavera no Chile

(...) Setembro adianta seus olhos mapuches matando o inverno
e volta o chileno à ressurreição da carne e do vinho.
Amável é o Sábado e apenas se abriram as mãos da Sexta-Feira
voou transportando ameixas e caldo de lua e peixe." (...)

Quinto episódio.

Os sinos da Rússia

ANDANDO, movendo os pés sobre um amplo silêncio de neve
escuta-me agora, amor meu, um sucesso sem rumo:
estava deserta a estepe e o frio exibia suas duras alfaias,
a pele do planeta brilhava cobrindo as costas nuas da Rússia
e eu no crepúsculo imenso entre os esqueletos das bétulas,
andando, sentindo o espaço, pesando o pulsar das solidões. (...)
e é assim como eu, caminhante, escutei os sinos da Rússia
desatarem entre o céu e a sombra o profundo estupor de seu canto. (...)

Eu sou, companheira, o errante poeta que canta a festa do mundo,
o pão na mesa, a escola florida, a honra do mel, o som do vento silvestre, (...)

Sinos de ontem e amanhã, profundas corolas do sonho do homem,
sinos da tempestade e do fogo, sinos do ódio e da guerra,
sinos do trigo e das reuniões rurais à beira do rio,
sinos nupciais, sinos de paz na terra,
choremos sinos, bailemos sinos
cantemos sinos pela eternidade do amor, pelo sol e a lua e o mar e a terra e o homem." 

Maravilhosa esta navegação na Barcarola de Pablo Neruda.

Neruda, Pablo. A barcarola; trad.de Olga Savary.-Porto Alegre:L&PM, 2016.

 
 




 

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