sábado, 18 de janeiro de 2025

Primeira Leitura 2025: "Se você me entende, por favor me explica."

 

Mesmo sem dizer "Feliz ano novo" já estou no terceiro texto de janeiro.

Então digo a todos que me leem: FELIZ 2025!

Meus desejos de paz para todos nós, que alcancemos nossos sonhos, tenhamos muito amor que é moto da vida, muito carinho, dinheiro no bolso, resultado de nosso afã diário.  E que tenhamos resultados em nossos esforços, a companhia das pessoas amadas, muitas viagens, passeios, etc, etc... , além de muita leitura.

Muito obrigada aos que me leem desde 2011!

 

Hoje vou comentar um livro de poesias que ganhei de presente de Natal da minha primogênita Sílvia. Como ela me conhece bem, sabe do meu prazer pela leitura, e deu-me o livro "Se você me entende, por favor me explica", do poeta brasileiro Pedro Salomão. Fiz a leitura em dois dias, nas férias, na praia.

Eu não o conhecia, e verifiquei que é um jovem que escreve muito bem.  

Na orelha, temos a informação: "Pedro Salomão é formado em Geografia, liderou um grupo de palhaços no Hospital do câncer de Presidente Prudente em 2017 e espalha suas palavras de transformação em suas redes sociais e nos palcos, seja com músicas, poesias ou palestras pelo Brasil. Pela Planeta, publicou em 2018, o best-seller "Eu tenho sérios poemas mentais".

Uma leitura leve, breve, mas cheia de humanidade, liberdade de expressão, vocabulário simples, enxuto mas de gabarito.

Destaco alguns versos que me chamaram a atenção, e um texto que me marcou; os textos não têm título:


"Muito do que me tornei

eu aprendi a ser.

Mas a parte do que sou

é porque é.

Como a árvore é porque é,

sem nunca ter aprendido a ser.

Como o vento é

e soa,

eu sou

e sempre fui."p.20.


"Você nunca vai conseguir sair de dentro de você.

Então o quanto antes arrumar a bagunça de seu coração,

mais tempo de qualidade terá,

convivendo consigo mesmo

na sala de estar que é ser você.

Enquanto você não resolver suas questões

isso te acompanhará.

Quanto tempo mais você está disposto a aguentar?". p.37.

 

"Tentar matar a saudade

pelo Whatsapp 

é como beber água salgada,

só aumenta minha sede

de você.".p.72

 

"Seu sotaque

é um mel a mais que sua voz tem.

Seu sotaque

é um ponto turístico na sua fala.

Seu sotaque 

tem gosto de comida típica.

Seu sotaque

me faz carinho quando você fala.

p.s. seu sotaque me dá vontade de viajar em você.".p.80

 

"Em sua pele perfeita,

a minha barba malfeita

é desfeita e bagunçada.

 

A minha barba é arranhada

enquanto as palavras saem,

a sua pele é macia,

nossos opostos se atraem.

 

Em seu corpo

minha boca é abelha,

que paira com calma e calor.

Na sua espinha, eu sou espinho,

e no seu corpo, eu sou um caminho,

até encontrar a flor.

 

Você se deita de costas na cama,

e se entrega para eu te descobrir,

te descubro e cubro com beijos,

cada passo em seu corpo é sorrir...

 

Pelos pés eu começo e me perco,

me encontro em locais de parada,

e com a cama já desarrumada,

arrepios de pele atiçada...

 

Em seu pescoço,

a minha barba é encaixada,

seu alvoroço,

seu tudo, e mais nada...

 

Seu corpo é tela,

minha boca é pincel,

seu corpo é poema,

é palavra,

é papel." p.92/93.

 

O único texto com título é uma crônica: "Fazendo as pazes com a vida", em que narra o falecimento de seu grande amigo num acidente de carro.

Faz comentários sobre o período doloroso do luto, que é um chumbo nas pernas e no coração de todos nós.  Narra o processo, e o dia em que entendeu, através de suas reflexões, o porquê dos acontecimentos. Suas palavras ao fim do texto: "Hoje, quando eu vejo os lugares onde minha arte tem chegado, percebo que a poesia que plantei em meu coração germinou, virou jardim, e depois cresceu tanto que perdeu o controle e virou floresta.  E passarinhos vêm comer de minhas frutas e levar as sementes para outros campos.  E pessoas vêm passear nessas trilhas e cachoeiras que se formam nos meus versos.  Eu virei floresta porque aceitei o fim e entendi o ciclo.  Obrigado por se perder comigo."p.95/99.

 

Vale a leitura, com muita emoção à flor da pele.

 

Salomão, Pedro. Se você me entende, por favor me explica.-SP:Planeta do Brasil, 2020, 160p.

 

sábado, 4 de janeiro de 2025

Onde estivestes de noite, Clarice Lispector


 


Como postei há pouco tempo, Clarice Lispector é minha inspiração.

Estou relendo sua obra devagarinho, sem pressa. É um regozijo! Degustando seus pensamentos, seus insights!

Desta vez é seu livro de contos "Onde estivestes de noite".

Simplesmente um nó na cabeça! Adoro!

Ela abre o livro com o conto "A procura de uma dignidade".

É uma história de uma senhora ligeiramente perdida, que entra, não sabe como, no estádio do Maracanã, e se perde no emaranhado de caminhos, corredores, salas.  Ela não lembra como chegou ali.

Após muito caminhar, consegue sair e ir para casa.

Segundo Clarice, ela ia a uma conferência cultural que, de acordo com a personagem, a mantinha informada, atualizada culturalmente e mantendo a mente sadia; sempre lhe davam uns 57 anos, embora estivesse beirando os 70.

O conto desenrola-se depois de ela chegar em casa.

Dado momento, após várias peripécias, ela senta-se na cama do seu quarto, e, depois de  várias reflexões sobre a vida, o ser, vontades, um desejo foi crescendo, devagarinho.

Ela era secretamente apaixonada pelo Roberto Carlos, o cantor.  E tinha devaneios secretos com ele... beijos, abraços... e seu desejo carnal foi crescendo!

Olhou-se no espelho "por fora - viu no espelho -ela era uma coisa seca como um figo seco.  Mas por dentro não era esturricada.  Pelo contrário."(...) E agora estava emaranhada naquele poço fundo e mortal, na revolução do corpo.  Corpo cujo fundo não se via e que era a escuridão das trevas malignas de seus instintos vivos como lagartos e ratos.  E tudo fora de época, fruto fora da estação?  Por que as outras velhas nunca lhe tinham avisado que até o fim isso podia acontecer?  Nos homens velhos bem vira olhares lúbricos.  Mas nas velhas não.  Fora de estação.  E ela viva como se ainda fosse alguém, ela que não era ninguém." (...) "Ali estava, presa ao desejo fora de estação assim como o dia de verão em pleno inverno.  Presa no emaranhado dos corredores do Maracanã.  Presa ao segredo mortal das velhas.  Só que ela não estava habituada a ter quase 70 anos, faltava-lhe prática e não tinha a menor experiência." (...) Seus lábios levemente pintados ainda seriam beijáveis?(...) : tem!que!haver!uma!porta!de saiiiiiída!"

Clarice viveu 57 anos.

Sua percepção e sensibilidade colocam, na década de 70 do século passado, problemas vivenciais de uma idosa que está chegando aos 70 anos. Como ela sabia disso?

Agora, na segunda década do século XXI, discute-se a saúde física e mental de mulheres e homens que chegam à chamada terceira idade, embora alguns esquecimentos aconteçam, como a personagem que perdeu-se e entrou em um lugar errado; mas seus corpos continuam saudáveis, seus instintos e desejos estão vivos como ela.

Naquela época não se imaginava uma mulher de quase 70 anos tendo desejo por um homem, ainda mais um cantor, uma personagem pública, famosa.

Fui adolescente na década de 70, quando ela escrevia. A maioria dos pais não orientavam sexualmente seus filhos, muito menos os mais velhos falavam qualquer coisa sobre sexo no decorrer da vida e na velhice.

Jamais conseguiria pensar em minhas avós tendo estas sensações que a personagem teve. Entretanto...

Clarice era uma visionária.  Sempre à frente do seu tempo.  Embora tenha morrido jovem, para nossos tempos, percebia o que acontecia com as pessoas a sua volta. Fantástica!

Este conto eu achei o máximo! Por isto o destaque.

São 17 contos em que Clarice nos  tonteia, nos deixa estupefatos, com sua exposição de ideias, pensamentos, sensações, novidades, surpresas que nos deixam atônitos e deslumbrados.

Vale a leitura, sempre!


LISPECTOR, Clarice. 1920/1977. Onde estivestes de noite- I ed.- Rio de Janeiro:Rocco, 2020.