segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

Os pobres e os analfabetos são mais felizes...

                              




 Ela era a mais velha. Exerceu à altura da autoridade concedida pela mãe seu direito da primogenitura: junto com os pais, orientava os irmãos mais novos, repreendia-os, aconselhava-os, cuidava deles.  Esta era a tônica das pessoas nascidas no começo do século passado; como sua mãe era muito religiosa, levava a sério o que estava prescrito na Bíblia, inclusive pondo-lhe o nome da primeira mulher, segundo o Gênesis, e um segundo nome, o qual uma de suas afilhadas herdou.
E não foram somente seus irmãos que receberam seu apoio, também o receberam sobrinhos e sobrinhas, cunhada, amigos, com certeza.  Muito lhe devem seus familiares.
Como ela mesma dizia, não casou muito cedo, como era hábito na sua juventude.  Estava um pouco mais madura, preparada para encarar os compromissos e construir uma família com seu companheiro de vida.
Foi uma das precursoras da mulher trabalhadora: trabalhava de dia e estudava à noite, cursando o antigo ginásio e, posteriormente, o Curso Técnico de Contabilidade; foi uma excelente contabilista, exercendo suas funções na Prefeitura Municipal, numa Associação de Funcionários; também fazia a escrita de algumas empresas.
À medida que o tempo ia passando, iam vindo os filhos: três meninos, um mais lindo que o outro, e ao tanto  de beleza correspondia o mesmo tanto de inteligência. O mais velho formado em Medicina, o do meio em Jornalismo e Comunicação Social e o mais novo em Engenharia Elétrica.  Educou-os no maior rigor e ética, mostrando a todos sua retidão de caráter.
Disse-me certa vez que gostaria de ter cursado jornalismo, também, mas à sua época era inviável, pois não havia este curso em sua cidade, nem condições de efetivar os estudos; neste sentido, sentia-se frustrada.  Porém, era uma devoradora de livros, como muitos da família; lembro da sua coleção de livros do Honoré de Balzac - obras completas-, entre muitos outros.  Quando fez seus estudos, tinha condições tranquilas de ler em inglês e francês.
Conversamos muitas vezes sobre o sentido da vida, sobre política - uma permanente descrença sua neste sentido -, religião, a vida em geral.  Numa destas conversas me disse que as pessoas ignorantes eram mais felizes, pois não tinham conhecimento de muitas coisas, nem da podridão do mundo, das coisas erradas feitas por políticos, das coisas que o povo pode reclamar e exigir das autoridades, etc, sendo, por tais razões, mais felizes, pois o pouco era suficiente ou muito.  Não tinham as angústias da classe média, nem o sofrimento por não poder alterar muita coisa no mundo.
Teve suas dificuldades, suas angústias, seus sofrimentos, sendo o maior deles, o que, cremos, aniquilou sua vida, o acidente de carro, no qual um louco bêbado bateu seu carro contra o do seu filho mais velho, matando-o, juntamente com sua nora, seu netinho de 3 anos e dois sobrinhos da nora.  A partir de então, sua vida se transformou.
Teve também muitos momentos de alegria, a formatura dos filhos, realização de todas as mães, a vinda dos netos, suas viagens e passeios, pequenas pílulas de alegria que se permitia, entre outras.
Sempre gostava de ir em nossa casa, e visitou-nos em todos os lugares em que moramos: Panambi, Caxias do Sul, Cambé e nossa cidade.  Gostava de um churrasco e cerveja, mas nem precisava dela para ser alegre, sempre o fora.
Vestia-se com esmero, sempre com roupas clássicas, colares, brincos, cabelo arrumado, unhas feitas, um grande capricho consigo mesma, o que sempre causou-me admiração e, junto com sua personalidade forte e persistência na vida em busca de objetivos, serviu-me como um dos modelos de mulher para eu seguir na minha vida.
Tive oportunidade de dizer-lhe que a amava muito, bem antes de ficar doente.  E o fiz novamente quando se encontrava adoentada.
Que Deus amenize suas dores e sofrimentos, e que a tenha recebido em seu colo, curando todas as suas feridas, as visíveis e as invisíveis.
Quando a deixamos em seu lugar definitivo, caiu uma chuva bem forte, molhando-nos até os ossos, lavando nossas e suas tristezas e sofrimentos.  Foi uma mensagem do Pai.
 
 (Imagem: http://www.google.com.br/imgres?imgurl=https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEisa0vP3jFSJqajN_EkYPdFZNssKXBYhrQG69N-ggc29E4RkLNwviFs59jcXrhs_laUI2QId56YJfystv8x89AZnuwzNnCu7StxeSlMTWPvCr7y7OTBRaXcMPxhATm_WUDuO9Lo6-7Qs4Im/s1600/pomba_branca_ceu_espirito.jpg&)

4 comentários:

  1. Minha sobrinha querida! Soubeste, em cada frase, verbalizar tudo o que sinto. Parabéns! Nem tenho mais nada a acrescentar, de tão lindo que está o teu texto!

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  2. Belíssimo texto. Ficam as lembranças da Dinda.

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