sexta-feira, 15 de maio de 2015

Os 80 anos de minha mãe

     








D. Noemi cortando seu bolo de 80 anos. Fotos da autora, proibida a reprodução sem autorização.


Já escrevi em outro post sobre minha mãe. Noemi é seu nome.
      Agora pretendo comentar o que sei sobre seus 80 anos.  Completar esta idade não é fácil, se quisermos ter saúde. Ela se encontra razoavelmente bem.
      Alguns dados já se encontram na postagem "Minha mãe"; perdoem-me se estou repetindo.  É a emoção por tê-la como minha mãe e por ter ajudado a preparar uma comemoração digna dela, como fizemos quando meu pai completou seus 80 anos também.
      Como já mencionei alhures, ela nasceu na cidade de Santa Rosa/RS, em 12 de março de 1935, na localidade de distrito de Tucunduva, que hoje é município.  Como era difícil o acesso à cidade, meu avô aguardou mais de um ano para efetuar seu registro; como minha tia Ruth também ainda não estava registrada, para não pagar multa, meu avô registrou-as como gêmeas, em 2 de julho de 1936.  E a tia era mais velha que a mãe uns dois anos.
Meus avós já tinham a filha mais velha, Eva; eram 3 meninas pequenas.  As condições de vida eram precárias, meu avô fazia o trabalho de agrimensor; também eram agricultores; ele acompanhava os engenheiros na abertura e construção de estradas por este Rio Grande de Deus. A vó era originária de Ijuí/RS, e meu avô de Santana do Livramento, mas estiveram um período por lá, tentando melhoria de vida, pois ouviram anúncios de que o governo daria terras para cultivar; entretanto, esta benesse não os alcançou e, diante das dificuldades, retornaram para Ijuí.
     Meu avô foi trabalhar na Prefeitura Municipal; era o responsável pela força e luz em toda a cidade.  Minha avó era dona de casa; além de cuidar da prole, que se multiplicava a cada dois anos - tempo durante o qual  minha avó amamentava os filhos - cuidava da casa, fazia doces, pães, bolos, conservas, e cultivava, além de uma enorme horta aos fundos da casa, árvores frutíferas e um belo jardim à frente da casa. Isto já comentei no post sobre lembranças da infância.
     Minha mãe foi crescendo junto com os irmãos, que foram sete no total. Oito filhos Maria e Bento tiveram, que se criaram, além dos dois que faleceram pequenos ainda.  Naqueles tempos, doenças que hoje têm cura, para tanto não tinha, e as crianças viravam anjinhos.
     Frequentou a Escola Estadual Ruy Barbosa, que hoje é uma escola somente de ensino fundamental e fica a meia quadra de onde moro, enxergo seu telhado todos os dias, e acompanho a balbúrdia da criançada sempre. 
     Segundo minha mãe conta, meu avô tocava violão e cavaquinho; esta parte também já comentei lá atrás; ele deve ter aprendido "de ouvido", pois frequentar aulas de música era um luxo a que não se poderiam dar.  Minha mãe gostava muito quando meu avô sentava-se, à tardinha, puxava um dos instrumentos musicais e cantava, reunindo em torno de si os filhos e a mulher. Ela já tinha o dom da música, mas nem pensar em ir atrás dele e estudar.
     Começou a trabalhar enrolando balas na Fábrica de Balas Soberana, com 13 anos; depois trabalhou em uma padaria, indo, posteriormente, para a empresa Bernardo Gressler, onde fazia o fechamento das vendas à vista e a prazo, auxiliando na contabilidade.  Era exímia nas contas, achava diferenças com facilidade, e era amada e admirada, com seus lindos cabelos pretos ondulados, por todos os colegas do escritório. Também já mencionado no outro post.
     Foi nesta época que conheceu meu pai.  Ela contava 15 anos, ele 23.  Foi na inauguração do tempo da Igreja Metodista de Ijuí.
     Dois anos depois estavam casados, e fixaram residência em Santo Ângelo/RS.
     Em 1954 nasceu meu irmão Marcos; em 1955 eu; em 1956 meu irmão Paulo; logo após  houve um menino natimorto; em 1962 o Moacir nasceu; em 1975, outro menino natimorto.  De seis, criamo-nos 4.
     Minha mãe, além de dona de casa, dedicou grande parte de sua vida aos trabalhos voluntários na Igreja Metodista de Ijuí.  Dentro da hierarquia da igreja, exerceu diversas funções, quais sejam: foi Secretária da Escola Dominical, Presidente, Tesoureira, Secretária da Sociedade Metodista de Mulheres; foi agente da Voz Missionária, do No Cenáculo e de outras revistas da instituição. Durante toda sua vida, até uns cinco a dez anos atrás, quando começou a ter problemas de saúde, foi ativa tanto na igreja quanto na sociedade de mulheres, participando das mais variadas promoções; liderava quando decidiam fazer a famosa "sopa de mocotó", prato típico gaúcho, em que era exímia.  As pessoas só compravam os cartões se fosse ela que fizesse.
     Sua vida se resumia em cuidar da família e participar das atividades da igreja.
      Como já falei no outro post, depois que saímos de casa, foi estudar música, realizar o seu sonho.  Além do deleite próprio e da família, pretendia tocar na igreja, para que as pessoas não cantassem tão desafinadas e fora do contexto musical correto.  Criou o primeiro coro da igreja local.  Também participou do Coral Municipal de Ijuí, que existiu durante algum tempo.
     Entretanto, uma pessoa que faz parte da congregação local, por ocasião do batizado de sua filha, exigiu - como se alguma autoridade tivesse - que ela não tocasse, pois não gostava de hinos tradicionais e da música do órgão.  Demonstrando crueldade, ignorância e estultícia, feriu profundamente minha mãe, com palavras duras e humilhantes.  Depois deste fato, ela nunca mais tocou na igreja.  Embora esteja com as características do mal de Alzheimer, nunca esqueceu deste fato, e fala dele diariamente, em suas repetições.  A pessoa que cometeu esta insanidade nem sonha o mal que fez a ela.  A família espera que Deus faça justiça com relação à mesma.
     Minha mãe cuidou de meu pai até sua morte, em 2013.  Foram quase 61 anos de vida em comum. No post "Bodas de Diamante" comento este fato.
     Muitas pessoas mais jovens não sabem o que é ter um casamento duradouro, nem conseguem imaginar a beleza da cumplicidade deles, o respeito que tinham um com o outro, e o carinho através do apelido carinhoso "negrinha/negrinho".
     Quando meu irmão mais novo faleceu, tive que, juntamente com meu irmão mais velho, comunicar a ela e a meu pai o que tinha acontecido.  Foi o pior dia da minha vida, fiquei desesperada; mas tivemos que enfrentar.  A todas as vicissitudes da vida enfrentou de cabeça erguida, embora muitas vezes abaixasse a cabeça para chorar e pedir forças  ao Deus da sua fé, para logo em seguida seguir, encarando a vida de frente.
     Ela ainda nos conhece, e a todas as pessoas mais chegadas - parentes, amigos - mas, aos poucos, sua memória está se retraindo, mostrando-nos muitos fatos de sua infância e juventude, mas esquecendo às vezes de pentear o cabelo, quem a visitou ontem ou hoje, que dia da semana ou do mês é, e em que ano estamos.  Assim como foi com meu pai, e duas irmãs dela, aos poucos a luz da vela está se apagando, bem devagarinho, para que a gente não sinta.  Já não consegue manter uma conversa, perde o fio da meada, e volta para as suas repetições.  Fixa alguns pensamentos ou acontecimentos que são fortes: não esqueceu a visita do neto, que trouxe o bisneto para conhecer; que a irmã e a sobrinha vieram de Porto Alegre para seu aniversário; que tinha bastante gente na festa, porém não sabe dizer quem. A incomodá-la, ainda, o diabetes, que prejudica seu prazer pelos doces, e a impede de comer o que gosta.
     Apesar de todos os pesares, vai levando a vida, com o auxílio dos três filhos que lhe sobraram, e com as cuidadoras que, além de desempenharem suas funções, tornaram-se amigas de minha mãe, por sua bondade e forma de tratar as pessoas.
     Aqui fica minha homenagem a ela, com um grande abraço e um beijo gostoso.
     Amo a senhora, mãe!


     
Minha mãe, meu irmão mais velho e eu.


3 comentários:

  1. Fiquei emocionada com o teu texto, sobrinha!! E a comemoração dos 80 anos da Mimi é outra data que ficará para sempre em minha lembrança. Amo minha querida irmã!!!

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