domingo, 22 de novembro de 2015

Casa grande & Senzala - o Brasil de Gilberto Freyre e o atual.


O que mais me intimida em nossos grandes escritores é que, os mais ilustres, os mais cultos, os mais 'viajados', com uma visão do mundo aberta, e em condições de conhecimento e sabedoria em pé de igualdade com os 'estrangeiros', são justamente os filhos da casa grande.
Os da senzala, com raros exemplos, e os brancos pobres, também raros, não tiveram a chance, a oportunidade de, já aos 15 anos, como Freyre,  ler os grandes pensadores da civilização ocidental da antiguidade clássica, nem os de seu tempo, e muito menos poder estudar ao lado de pessoas que se tornaram ilustres no mundo científico, ou ser alunos de outros tantos, em universidades estrangeiras.
Não deixa de ser um orgulho para nós, brasileiros e brasileiras, que pelo menos as pessoas do "andar de cima" tenham tido esta chance e, como ele, pelo que sei, o único brasileiro indicado ao prêmio Nobel.
Ao ler "Casa grande & senzala", livro que Gilberto Freyre escreveu e publicou em 1933 - meu pai já havia nascido, mas minha mãe ainda não- descobre-se por que Fernando Henrique Cardoso, nesta edição comemorativa dos 80 anos da publicação, fala que é um livro perene.
Na década de 70, quando iniciei meu curso de letras, analisâ-mo-lo detidamente, nas aulas de literatura brasileira, quando estudamos o Romance de 30 - não só os romances, mas a bibliografia da época.  Entretanto, naquela época de carências da faculdade, somente tínhamos a cópia "xérox" do livro, e somente de partes que o professor considerava importantes.
Professora, pobre, sem dinheiro, somente agora consegui comprar o exemplar.  E identifiquei-me com as descrições meticulosas de Freyre, tanto quando menciona algumas características dos portugueses (tenho Silva, Trindade, dos Santos, Carvalho, Carneiro, da Fontoura, Almeida de sobrenomes ancestrais), como quando menciona algumas características indígenas quanto dos negros.  Sei que sou o que ele chama de povo "híbrido" ou "transgênico", o resultado das misturas européias, com indígenas americanos e negros/árabes/mouros africanos.
O livro, conhecido no mundo inteiro, assim como seu autor, não precisa de apresentações.
Apenas, por ter modestamente  considerado interessantes, vou destacar alguns excertos.  Quem tiver paciência, assim como tive, de ler suas 573 páginas de texto, mais biobibliografia e outras informações, sinta-se à vontade.

"A mobilidade foi um dos segredos da vitória portuguesa; sem ela, não se explicaria ter um Portugal quase sem gente, um pessoalzinho ralo, insignificante em número - sobejo de quanta epidemia , fome e sobretudo guerra afligiu a Península na Idade Média- conseguido salpicar virilmente do seu resto de sangue e de cultura populações tão diversas e a tão grandes distâncias umas das outras: na Ásia, na África, na América, em numerosas ilhas e arquipélagos.  A escassez de capital-homem, supriram-nas os portugueses com extremos de mobilidade e miscibilidade: dominando espaços enormes e onde quer que pousassem, na África ou na América, emprenhando mulheres e fazendo filhos, em uma atividade genésica que tanto tinha de violentamente instintiva da parte do indivíduo quanto de política, de calculada, de estimulada por evidentes razões econômicas e políticas da parte do Estado." 
" Os indivíduos de valor, guerreiros, administradores, técnicos, eram por sua vez deslocados pela política colonial de Lisboa como peças em um tabuleiro de gamão: da Ásia para a América ou daí para a África, conforme conveniências de momento ou de religião". p.70

Muitas outras citações poderia fazer. Considerei esta, no meu entendimento, uma síntese do que o autor expôs, posteriormente, em seu livro.

E como estou muito atarefada, sugiro que quem ainda não o leu, faça-o.  É uma ótima forma de compreender a formação populacional, a cultura, a alimentação, as doenças, a personalidade dos brasileiros.



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