quarta-feira, 15 de abril de 2020

POESIA É TREPAR MESMO PELAS PAREDES




Imagem do livro do Mario Quintana que possuo, Editora Globo.





Em outros tempos comentei aqui que as pessoas que se pretendem escritoras ou poetas dificilmente trazem novidades.
As maiores novidades vemos diariamente saltar aos nossos olhos nas páginas de jornais, nas revistas - estes dois meios de comunicação em franco caminho de dissolução - em livros; na internet, nas redes sociais, na TV, nos rádios, nessa parafernália toda que nos cerca.
Não trazendo novidades, as quais deixo por conta dos tecnólogos, especialistas, repórteres, cientistas e outros quetais, trago o melhor de mim, ou seja: meus textos, minha paixão pela Literatura, meu amor pelos livros, pelas palavras; e estas, para aquinhoar, trocar ideias, ponderar.
Como Professora de Língua Portuguesa e Literatura que fui, mas cujo espírito em mim permanece, sei da grande dificuldade, da quase aversão que as pessoas sentem pelos livros.  Há trinta anos eu acreditava ser isto um mal que tinha cura.  Julgava, acompanhando os vários autores daquele momento e especialistas na área, que a leitura deve ser um hábito.  E entendia que esse hábito se formava desde bebê, desde a infância, com livros de pano, de banho, sonoros, montáveis e desmontáveis, e assim por diante.
Entretanto, minha experiência mostrou que, apesar de todo o esforço - e vi isto dentro da minha casa - algumas pessoas, mesmo com todo o estímulo, não se tornam pessoas afeitas à leitura, apaixonados pelos livros.   Leem, mas livros técnicos, revistas, notícias de interesse ou outras coisas mais.  Leitores inveterados, poucos.  O mesmo acontecia com meus alunos: um baixo percentual aderia ao amor pelos livros.
Dir-se-ia que o principal é a pessoa ler o que gosta, ter liberdade de escolha, confiança no que lê, descompromisso, alegria e um grande prazer.
Retire-se deste texto a obrigatoriedade de leituras para trabalhos de conclusão de curso, teses, ensaios, etc, que já fazem parte dos cursos.
É básico para a soberania de um povo que sua cultura seja preservada, que exista uma História, que exista uma memória.  Se falarmos em História, narrativa do desenvolvimento ou acontecimentos que formam um povo, estamos reconhecendo os fatos mais importantes do ponto de vista de quem o conta; do ponto de vista de quem está no poder, no comando das ações e exercendo o domínio sobre um povo.  Este domínio pode ser democrático ou não.  
Ao observarmos a Literatura de um determinado período histórico, vamos constatar o que poderia ter sido ou o que efetivamente aconteceu àquele povo.
Por exemplo: se estudarmos o período de Getúlio Vargas, constatamos toda a ação política de sua ditadura, as coisas consideradas boas que fez, os direitos que concedeu aos trabalhadores, seu governo populista.  No entanto, aos lermos "Olga" de Fernando Morais, vamos conhecer o lado da História dos calabouços, do aliado ao nazismo de Hitler, das torturas, das perseguições, do terrorismo aos seus opositores.  Da mesma forma, lendo as "Memórias do cárcere" de Graciliano Ramos; "Brasil nunca mais de D.Paulo Evaristo Arns; "As veias abertas da América Latina" de Eduardo Galeano e muitas outras obras que revelam realidades massacrantes, não só no Brasil mas também em outros países e em várias épocas, e verificamos que reside aí um dos fatores da importância da Literatura na vida das pessoas.
Escritores de todos os tempos nos revelam as mais cruas realidades:  Dante, Aristóteles, Platão, Goethe, Dostoiévski, Tolstói, Tchecov, Émile Zola, Gustave Flaubert, Machado de Assis, Alejo Carpentier, Jorge Luís Borges, Jorge Amado, Aluísio de Azevedo, José de Alencar, Hermann Hesse, Guimarães Rosa, Olavo Bilac, Fernando Pessoa, Graciliano Ramos, Érico Veríssimo, Gabriel Garcia Márquez, Cecília Meirelles, Clarice Lispector, Lya Luft, Lygia Fagundes Telles, Deonísio da Silva e uma miríade de estrelas literárias que não vou relatar aqui. E tantos outros que não viraram estrelas conhecidas... Quem lê conhece-os. Ao lê-los, observamos como vivia ou vive o povo das mais diversas eras, lugares, culturas: tanto o povo-povo como o povo-poderoso.
A Literatura acompanha a evolução histórica da humanidade, das línguas, das comunicações, da tecnologia.  E conhecemos o mundo, viajamos por ele sem sair do lugar. Muitas pessoas conheceram o mundo através da descrição de muitos autores.
Lendo contatamos com a arte, a música, os hábitos e costumes dos povos. 
Se quisermos saber como era a Lisboa do começo do século XX, busquemos Fernando Pessoa e seus heterônimos; o Rio de Janeiro dos 1900, Machado de Assis com seus contos, crônicas poesias e romances. A vida na corte latino-americana do século XIX, as narrações costumbristas de Tomás Carrila (colombiano); Manuel Payno (mexicano); Luiz Inclán (mexicano); Cirilo Villaverde (cubano); o período de 1930/40 em diante, na França, Simone de Beauvoir e Sartre, entre tantos outros, com seus livros tanto na linha do romance, como na filosófica e histórica.
A Literatura brasileira, desde a literatura de informação aos dias de hoje, mostra-nos como ocorreu a ação contínua e prolongada que resultou num arcabouço literário que acompanhou o desenvolvimento urbano, agrícola, industrial e social do país.
Hoje temos liberdade total na criação literária: somos deuses que registramos a literatura histórica, intimista, urbana, regionalista; o conto, a crônica, o romance, a novela, a literatura especializada para crianças e adolescentes, a literatura clássica, revisitada, reanalisada, reescrita muitas vezes, e a poesia.
Muitos dizem: o que se quer com poesia, hoje?
Poesia, para mim, e para os demais  poetas e poetisas, se não fosse algo bom, não sobreviveria.  Não resistiria através dos séculos.  Se analisarmos o surgimento da língua e da memória escrita, vamos encontrar o primeiro gênero literário surgido na Grécia Antiga, com Homero e sua "Odisséia": a POESIA.
A poesia sobrepuja.  Como alguns gêneros literários, a poesia denuncia, mata ou morre, voa pelos altos, claros e brilhantes céus do amor e do prazer, do lúdico e do sugestivo, do sonho e da amarga realidade.  Voa em palavras, caminha, tropeça, rasteja e cai em palavras.  É uma arte, na qual encontro-me como eterna principiante, "aprendiz de feiticeira".
Há toda uma técnica a dominar, uma habilidade a ser desenvolvida no caldeirão da bruxa ou no laboratório misterioso onde as formas/fórmulas poéticas, a possível rima, o ritmo e a sonoridade se escondem, furtivamente, aguardando que os desencantemos para que, hoje não mais pela caneta e papel, mas pelo computador, os transformemos no mais tenro, no mais primitivo modo de manifestação artística e também no mais atual: a química da palavra refeita, atualizada, transposta, vibrante, amorosa e prazerosa: A POESIA.
Quando publico meus poemas, seja aqui no blog ou em livro, estou tentando ser aquela que narra ao lado dos acontecimentos: a vivência de meu tempo, a minha ética, o meu chão, espelhando o meu momento histórico, e resumindo  o momento de várias outras mulheres e homens.  De gente que trabalha, que vive o dia a dia na luta pela sobrevivência.  Que tem momentos de esfuziante alegria ou de amarga tristeza.  Que sofre, chora, se alegra, entusiasma, vibra ou arrefece.
A minha paixão é a vida. E dentro dessa paixão estão a leitura, os livros, e a escrita.
As minhas pretensões espelham-se no que disse Osman Lins em" Do ideal e da glória - Problemas inculturais brasileiros", que aqui relato: "O escritor quer ser, com seu livro, uma voz entre muitas, não a voz definitiva, não a palavra final, a única.  Seja como for, ele, se consciente de sua condição, não ambiciona sufocar com a sua voz o rumor das outras vozes.  Quer ser apenas uma voz a mais".
Sobre poesia, especificamente, cito Décio Pignatari, no livro Comunicação poética, ele que é poeta e professor: " A maior parte das pessoas lê poesia como se fosse prosa.  A maior parte quer "conteúdos" - mas não percebe formas.  Em arte, forma e conteúdo não podem ser separados. (...) Mostrar um sentimento e não dizer o que ele é - isto é poesia".
E para não dizer que não falei dos gaúchos, de Mário Quintana: "As pessoas sem imaginação podem ter tido as mais imprevistas aventuras, podem ter visitado as terras mais estranhas... Nada lhes ficou.  Nada lhes sobrou.  Uma vida não basta apenas ser vivida: também precisa ser sonhada" .  E nos deixa uma "Ressalva: Poesia não é a gente tentar em vão trepar pelas paredes, como se vê em tanto louco por aí: poesia é trepar mesmo pelas paredes."
E quanto às "Interpretações: Mas para que interpretarem um poema? Um poema já é uma interpretação." (Primavera cruza o rio).







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