domingo, 12 de abril de 2020

EOWYN IVEY, MACHADO DE ASSIS E CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE - LEITURAS DE PESO.




Imagem de Anchorage, Canadá. Créditos abaixo.


Drummond e Machado de Assis não necessitam de apresentação. São conhecidos de quem lê. Mas Eowyn Ivey creio ser necessário ser apresentada. Pelo menos eu não a conhecia.




Nestes últimos dias, em que ando realizando organizações em casa, peguei o quarto de minha filha adolescente.  Como eu, ela ama ler; mas manter os livros no quarto não é adequado para quem tem problemas respiratórios habitualmente - e muito menos no momento em que vivemos.  Comecei a organização e limpeza dos livros e, quando fui colocá-los em outro armário, na sala, fiquei curiosa com alguns títulos.  A coleção de livros para crianças e adolescentes não me chama muito a atenção, mas esse livro chamou:



A MENINA DA NEVE, de Eowyn Ivey. Tradução Paulo Polzonoff Jr, Ed. Novo Conceito,2015, 350p.



Antes de comentar sobre o livro, apresento a autora: Eowyn é jornalista formada pela Universidade de Western em Washington. Vive no Alasca desde pequena e continua vivendo lá com o marido e as filhas.  Fez Pós-graduação em Escrita Criativa pela Alasca Anchorage.  A menina da neve é seu livro de estreia e foi finalista na categoria ficção do Prêmio Pulitzer, em 2013.   Tem 47 anos.



Eu nunca tinha ouvido falar dessa escritora.  No meio dos livros de minha filha estava este, que narra uma história fantástica vivenciada por um casal do Alasca, que morava em uma pequena comunidade perto de florestas e montanhas nevadas.  O casal era de agricultores idosos, tinham tido um filho que morreu no parto e não conseguiram mais engravidar.  Decidem viver no Alasca, longe da família, dos amigos e das cobranças sobre crianças, sobre a impossibilidade de ter filhos.  São descritas paisagens encantadoras e gélidas, com neve, mato, animais que nós, aqui do lado meridional do mundo, desconhecemos.  Frio temos todos os anos, neve já tivemos esporadicamente.  E não queremos mais...

É uma narrativa que magnetiza o leitor, tanto que li o livro em dois dias, nas horas de folga.  A autora entende da arte de escrever, faz descrições da paisagem, dos sentimentos das personagens, dos acontecimentos, dos costumes, da cultura.
O casal faz um boneco de neve em formato de menina, coloca luvas, cachecol e gorro.  E o boneco cria vida...uma história emocionante que instiga e mantém a curiosidade até o fim.  Excelente leitura. Recomendo.



50 Contos de Machado de Assis, selecionados por John Gledson. São Paulo:Cia das Letras, 2007, 487p.



Já li muitos livros de Machado de Assis.  Mas não li todos.

Muitos desses contos eu já conhecia de outras seleções, já havia discutido e analisado em aula, já havia me deleitado.
Aprendemos todos os dias quando lemos O Bruxo do Cosme Velho.
Conforme o organizador da seleção de contos, John Gledson, Professor de Literatura Brasileira na Inglaterra, "Machado caminhava no fio da navalha..." ao escrever sua obra.
Desnecessário falar do vocabulário oitocentista de Machado, das descrições, das narrativas e tudo o mais.  O que percebemos é o sentido agudo da vida, das palavras certas no momento devido.  Conhecemos suas personagens que visitam desde o mais alto escalão da República até o mais humilde ser que possa ter existido em sua cabeça ou em nosso país, mais precisamente no Rio de Janeiro.  Dos salões da nobreza brasileira dos fins dos anos 1800, do início dos 1900, apresentando todas as categorias da sociedade, Machado enleva-nos com a sua prosa mágica.
Sobressai em muitos contos a questão de pessoas casadas que namoravam outras pessoas, tanto homens quanto mulheres.  A traição é um assunto ao qual retorna com frequência.  
Os bailes, os jantares, a fofoca, os saraus; uma grande quantidade de personagens formava-se em Direito, evidenciando o valor que era dado ao advogado naquela época.  A frivolidade das mulheres, dos homens, da sociedade em geral, sempre preocupadas com vestidos, jóias, chapéus, toilettes,..., apresentações teatrais, peças, óperas...
A citação de autores e obras, demonstrando a grande cultura do velho Machado...desnecessário comentar tudo.  A leitura se impõe.
A seguir coloco algumas pitadas machadianas de que gostei muito, tiradas de alguns contos; quem ficar curioso, leia o livro:
"...o melhor drama está no espectador e não no palco. (A chinela turca)".
"Rigorosamente, todas estas notícias são desnecessárias para a compreensão da minha aventura; mas é um modo de ir dizendo alguma coisa, antes de entrar em matéria, para a qual não acho porta grande nem pequena; o melhor é afrouxar a rédea à pena, e ela que vá andando, até achar entrada.  Há de haver alguma; tudo depende das circunstâncias, regras que tanto serve para o estilo como para a vida; palavra puxa palavra, uma ideia traz outra, e assim se faz um livro, um governo, ou uma revolução; alguns dizem mesmo que assim é que a natureza compôs a suas espécies. (Primas de Sapucaia)".
"O ponto cresceu, fez-se sol.  Fui por ali dentro, sem arder, porque as almas são incombustíveis.  A sua pegou fogo alguma vez? (A segunda vida)".
Leitura obrigatória e recomendada.


Finalmente consegui tirar este livro de Drummond da pilha! pudera: adquiri-o em Joinville em janeiro de 2017; com minhas tantas atividades, e outros tantos livros atravessando-se no seu caminho, fui degustando-o lentamente, sem pressa, nos momentos de sossego e paz.
Carlos Drummond de Andrade Nova reunião 23 livros de poesia, com 924 páginas finalmente foi concluído!
É a reunião de 23 livros do autor feitos pelos Editores da Companhia das Letras em 2015.
Drummond dispensa comentários, análises, explicações.
É para senti-lo. Sentir suas palavras, emoções, observações aguçadas, denúncias, posições.
Li-o com prazer, mas, também, com alguma surpresa.  Como no poema em que ele fala que a mucama limpa seu cocô, quando guri.
Creio que mesmo os monstros sagrados da literatura, eventualmente, ficam sem assunto, e qualquer assunto serve.  Ou quem sabe é para debochar, assustar, ver a reação?  Ele não está mais aqui para nos dizer.  E, se questionado, provavelmente nada diria. Quem foi mesmo que disse que a Literatura, a poesia, não é para ser explicada,  é para ser lida e sentida?
Nesta reunião de livros do poeta de Itabira, entendi melhor suas linhas de pensamento, seu posicionamento político frente as acontecimentos no Brasil e no mundo, suas denúncias do avanço do poder econômico sobre Minas Gerais e sobre o Brasil, nunca pensando no povo e nas consequências financeiras e sociais sobre a população; a invasão das grandes mineradoras, derrubando as montanhas mineiras atrás dos minérios...um grande amor do poeta pelo seu Estado e pelo Brasil.
Gostei demais do livro que encerrou a reunião, em que encontramos um Drummond sensual, romântico, olhos apaixonados e reveladores sobre as mulheres, que ainda não tinha percebido em nenhuma outra obra sua.  Um mistério sendo decifrado aos poucos.
Outro de nossos grandes escritores com um vocabulário riquíssimo que fez-me, várias vezes, recorrer ao dicionário para poder compreender seus versos.  Agradeço por mais esta experiência compensadora.
Destaco alguns trechos que me chamaram a atenção:

"Canto ao homem do povo Charlie Chaplin
(...)
Não há muitos jantares no mundo, já sabias,
e os mais belos frangos
são protegidos em pratos chineses por vidros espessos.
Há sempre o vidro, e não se quebra,
há o aço, o amianto, a lei,
há milícias inteiras protegendo o frango,
e há uma fome que vem do Canadá, um vento,
uma voz glacial, um sopro de inverno, uma folha
baila indecisa e pousa em teu ombro: mensagem pálida
que mal decifras.  Entre o frango e a fome,
o cristal infrangível. Entre a mão e a fome,
os valos da lei, as léguas.  Então te transformas
tu mesmo no grande frango assado que flutua
sobre todas as fomes, no ar; frango de ouro
e chama, comida geral
para o dia geral que tarda. (...)" (p. 201)

"VERSOS À BOCA DA NOITE
(...) 
E depois das memórias vem o tempo
trazer novo sortimento de memórias,
até que, fatigado, te recuses
e não saibas se a vida é ou foi. (...) (p. 174)

"ALIANÇA
(...)
...Enquanto prossigo
tecendo fios de nada,
moldando potes de pura
água, loucas estruturas
do vago mais vago, vago.
Oh que duro, duro, duro
ofício de se exprimir!
Já desisto de lavrar
este país inconcluso,
de rios informulados
e geografia perplexa.(...) (p.214)

Análise mais profunda das obras seria necessária, e um espaço maior e menos cansativo. Cada um que faça sua leitura e interpretação.












Créditos da imagem:
http://www.qualviagem.com.br/anchorage-e-uma-das-principais-cidades-do-alasca/

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