quinta-feira, 12 de janeiro de 2023

A cidade das viúvas

 









Em uma cidade na região meridional da América Latina, perto de onde foram as   Missões Jesuíticas, no lado argentino,  descobriu uma repórter de revista feminina de grande circulação que, em um de seus distritos de nome Nhú-Porã, havia trinta e nove viúvas.

É um número elevado considerando-se a população local, de baixa densidade demográfica.

Curiosa, tentou de diversas formas entrevistar essas viúvas, para descobrir a razão da morte de seus maridos, por qual razão nunca mais se casaram, como viviam, e sobre suas famílias.  Suas tentativas eram infrutíferas.

Conversando com uma senhora que tinha em torno de setenta anos, professora aposentada e agricultora nas horas vagas, de nome Elizabeth,  descobriu que ninguém queria falar nada por questões de segurança, pois havia muitos malandros que se aproximavam das mulheres para tentar levar vantagens, tanto pessoalmente, quanto pela internet ou outras formas de comunicação. E, também, para evitar assaltos.

A repórter não se deu por vencida.

Devagarinho, conversando, demonstrando que não identificaria o lugar, não daria o nome das pessoas, que manteria o sigilo das fontes,  que elas não correriam risco nenhum, foi amolecendo a resistência da mulher, até que obteve uma pequena vitória:

- Tudo bem.  Vamos fazer o seguinte: dia 23 é meu aniversário.  És minha convidada, vou te apresentar como minha amiga.  Mas não dirás para ninguém que o teu objetivo é entrevistar a turma, vais conversando normal, como quem quer fazer amizade e conhecer as pessoas.

- Combinadíssimo!

- Mas sem gravadores, microfones, nem computador, nem anotações.  Vais te fiar na tua memória.  Senão ninguém abre a boca.

- Certo, farei como dizes.

No dia marcado, a casa de Elizabeth começou a encher-se das amigas e vizinhas em torno das 17 horas. Abraços, beijos,  presentes, apresentação da nova amiga, conversas, música animada, algumas dançando, tagarelice, alvoroço, como são as reuniões de mulheres.  Algumas trouxeram as crianças, filhos e netos, a bagunça tomou conta.

Num canto, a repórter conversava animadamente com um grupinho, contando a todas como era a vida na cidade grande, o movimento, os grandes shoppings centers, as tentativas de assaltos, o trabalho, as grandes lojas, as livrarias, a vida dinâmica que levava. E, principalmente, o stress.

Muitas viajavam uma vez por ano para um canto do Brasil ou do exterior, a passeio, e conheciam o que ela descrevia.  Outras, não.  Tudo era novidade.

Perguntaram se era casada, ela disse que sim, que tinha uma filha de 15 anos que ficava com o pai quando ela viajava a trabalho.  E que estava no local por conta de uma palestra que daria na área de comunicação da Universidade local. Ela perguntou se eram solteiras ou não, se tinham filhos.  Algumas se retraíram.  Outras, já mais leves depois de algumas taças de vinho, disseram que eram viúvas. Mas que ela não espalhasse a notícia por questão de segurança delas e das famílias.

Ela disse que não abriria o bico.  Daí perguntou se eram muitas pessoas com este estado civil, uma disse que não, outra disse que trinta e nove, outra poucas, outra muitas... E ninguém mais quis  se casar de novo?

 Disse Maria, uma loira de 30 anos, muito bonita:

- Não.  A grande maioria das viúvas daqui perdeu seus maridos para doenças severas, como o câncer.  Eram trabalhadores rurais, empregavam venenos em suas lavouras de soja e trigo. Câncer no cérebro, no pâncreas, intestino... terrível!  Algumas, como eu, ficaram sozinhas em torno dos trinta anos.  Outras mais tarde, outras mais cedo.  Quase todas tiveram que assumir o trabalho na lavoura, além de suas profissões.  E terminar de criar os filhos sozinhas.

(Repórter) - E nunca nenhuma voltou a pensar em casar de novo?

(Maria) - A Fulana, assim que ficou viúva, vendeu suas terras e foi morar na cidade, não quis saber de ficar sofrendo com o trabalho árduo da lavoura.  Mas a grande maioria ficou por aqui. Parece que ela tem um namorado.

Entre uma rodada de salgadinhos e docinhos, taças de vinho, cerveja e refrigerante, a conversa foi ficando solta:

(Repórter) -  E vocês, que estão morando aqui, não se sentem sozinhas, não acham que é muito compromisso e responsabilidade para encararem sozinhas?  Não sentem solidão, não têm falta de um aconchego, carinho, companheirismo, sexo?

(Marta, 68 anos) - A Beltrana conheceu um ciclano num evento na cidade.  Ele veio aqui algumas vezes.  Até ela descobrir que ele era casado, e que queria passar a mão nas terras e no dinheiro dela... Mandou ele passear.

(Joice, 55 anos) - Eu me sinto muito sozinha, já que meus filhos são crescidos e estão estudando fora.  Até a gente se sente muito carente, em todos os sentidos...Mas a liberdade que a gente aprende a ter, depois que conseguimos vencer o luto, não tem preço que pague.  Fazemos o que queremos, sem prestar contas a ninguém.  Temos grupos de viagens, de passeios, de estudos, coral na igreja....a gente se vira... 

Elizabeth, que circulava entre as convidadas, e verificava se não estava faltando nada, perguntou:

 - Como está a conversa aqui?

- Está ótima!

Mais uma rodada de vinho e cerveja.

(Berta, 45 anos) - A Beltrana conheceu um rapaz muito bonito pelos sites de relacionamento.  Pesquisou na internet sobre ele, depois de assistir a uma reportagem na tv, em que os delegados de polícia aconselhavam as mulheres solteiras, separadas ou viúvas, que ficassem alertas aos relacionamentos através destes sites.  Sugeriam que pesquisassem na polícia antes, para ver se não era nenhum malandro.  Ela tem uma amiga  que é Delegada na Delegacia de mulheres. Pediu para ela verificar.  Minha nossa... o cara não mentiu o nome nem estado civil, mas mentiu a profissão, que era nenhuma.  Era acostumado a dar golpes em mulheres desavisadas, começava na manha, na fala mansa ao pé do ouvido, ia conquistando, depois pedia dinheiro emprestado e assim por diante.  Ela deu um pé na bunda e mandou ver as estrelas.

(Repórter) - Nossa!  Vocês moram no interior do interior, mas estão bem alertas.  E sabem se virar sozinhas.  E o sustento de vocês, como fazem?

(Elizabeth) -  Aprendemos a administrar nossas terras.  Temos alguns funcionários para a hora da planta e da colheita, fazemos mutirões, umas ajudam as outras.  As que têm filhos, estes ajudam administrar. E algumas, mais velhas, têm aposentadorias.  Não é muito, mas ajuda.

(Repórter) - E o estudo dos filhos e netos, como fica?

(Dandara, 50 anos) - Aqui no distrito temos escolas municipais e estaduais de ensino fundamental e médio.  Quando querem ir para a faculdade, damos um jeito de mandar para a cidade; às vezes conseguimos bolsa de estudos, alguns passam em universidades públicas em outras cidades, então vão trabalhar e estudar.  Todo mundo se vira.

Pasteizinhos recém fritos fizeram outra rodada. Os famosos docinhos giravam nas bandejas.  E a encarregada da bebida não deixava faltar nem vinho, nem cerveja, nem água, cada uma conforme seu gosto.

O papo foi rolando cada vez mais solto.  Foi uma noite memorável.

A repórter ficou conversando com a mulherada, dançando, beliscando salgadinhos e docinhos até às 2 horas da manhã. 

Matou a curiosidade.  Ficou deslumbrada com a capacidade das mulheres de se virarem, cuidarem umas das outras, viverem em comunidade, e conduzirem suas vidas sozinhas. Lembrou-se do matriarcado de tempos de outrora.

Mas, o que muitas disseram: que não são contra os homens, muito antes pelo contrário.   Algumas disseram: lavar cuecas, nunca mais!  Entretanto, se conhecessem algum companheiro que valesse a pena, poderiam pensar no assunto.  Afinal, eram todas muito normais,  tinham sonhos e desejos como qualquer mulher, independente da idade. Apenas não queriam mais compromissos, responsabilidades e um patriarca a querer mandar em suas casas.

A repórter voltou para sua cidade. Fez a reportagem, como combinado, sem identificar nada nem ninguém.  Recebeu um prêmio pela reportagem e continuou tocando sua vida.






(os nomes foram trocados para preservar as pessoas).

(Imagem: https://www.facebook.com/reisman.aliancas/photos/modelo-santo-amaro-compre-aqui-httpswwwreismancombraliancas-de-casamento-ouropar/581780215280527/?paipv=0&eav=AfYYHSeM5l2OyMmnnm5ONbzs6N19yXvfSYcjoa2egVFKpqNfXRZnzm4OPCfyubcinnQ&_rdr )



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