quarta-feira, 22 de junho de 2011

Mais um pouco de leitura.

          Cultivando meu modesto vício, eis mais um comentário sobre leitura que a alguns vai agradar, e a outros vai chatear.  Cada um com seu cada qual.  Meus e minhas blogtores, neologismo que inventei para leitores de blog, mais literatura, agora sonetos:
        Ao deparar-me com este livro numa banca, senti-me como se tivesse retornado aos meus 20 anos, ao Curso de Letras, às aulas do Mestre, Dr. Deonísio da Silva, no auge da ditadura militar.  Hoje relembrando, e após ter-me informado do que realmente aconteceu naquele período, penso que deve ter sido muito difícil a ele dar aulas de literatura brasileira e portuguesa às alunas cabeças-de-vento, num período em que só o fato de ser professor universitário deixava-o em risco de vida.  Devo desculpas ao mestre pela minha incompreensão e ignorância do momento, vivendo nos recônditos rincões do noroeste do Rio Grande do Sul, num período em que o que eu mais gostava de fazer era ler, namorar, dançar e ir ao cinema.  Política não me interessava, e a tal da repressão acontecia nos grandes centros.

        Mas o nome da poetisa portuguesa ficou grudado em minha alma, por estranho o sobrenome: Espanca.  Por algum tempo tentei localizar algum livro dela, mas nem em biblioteca, nem em livrarias de grandes centros os encontrava, visto que, em minha pequena cidade, livraria era contrabando , e nem a biblioteca da faculdade  tinha os livros que precisávamos –  naquela época, eram objetos raros e tínhamos a maior dificuldade do mundo em lê-los para entender as disciplinas e concluir o curso.

        Pois estes dias, andando numa banca em Londrina,  dei de cara com a dita cuja, e lembrei-me do mestre e das aulas.  Graças ao projeto da editora que publica a obra prima de cada autor, pude então contatar tão antiga poetisa portuguesa, mencionada e nunca encontrada.

        Tal poetisa nasceu em 1894 em Vila Viçosa, Alentejo-Portugal e suicidou-se em 8 de dezembro de 1930. Este livro contém sonetos publicados em Livro de Mágoas, Livro de Soror Saudade, Charneca em Flor e Reliquiae. Transparece por todos os sonetos, um sentimento de tristeza, deslocamento, morte, depressão parece, desalento com o mundo, a vida e o amor.  Mas alguns raros versos contêm alegria, luminosidade, exuberância e cor.  Apesar de muito tristes, gostei do livro pelo fato do conhecimento de uma autora de língua portuguesa que foi, pelo que diz na biografia rápida junto ao livro, uma feminista precoce e uma poetisa de rara sensibilidade e de alto valor em sua terra natal.

        Abaixo, um dos sonetos alegres da autora, já que de tristezas e desgraças estamos todos cansados:

                        HORAS RUBRAS

Horas profundas, lentas e caladas,

Feitas de beijos sensuais e ardentes,

De noites de volúpia, noites quentes

Onde há risos de virgens desmaiadas.



Oiço as olaias rindo desgrenhadas...

Tombam astros em fogo, astros dementes,

E do luar os beijos languescentes

São pedaços de prata p’las estradas...



Os meus lábios são brancos como lagos...

Os meus braços são leves como afagos.

Vestiu-os o luar de sedas puras...



Sou chama e neve branca e misteriosa...

E sou, talvez, na noite voluptuosa,

Ó meu Poeta, o beijo que procuras!




ESPANCA, Florbela. Sonetos. SP: Martin Claret, 2002, 121p.

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