Minha querida avó materna, dona Maria Augusta, apelidada Dêza, portanto, vó Dêza, brincava comigo e com meus irmãos, quando ia sair por qualquer razão, dizia que ia dar “uma volta no tacho”, expressão usual no Rio Grande do sul da década de 60. Na minha inocência, um dia que tinha ido junto com a vó a algum lugar, que não recordo mais onde era, perguntei pra ela quando chegamos: - vó, aqui que é o tacho?... eu não entendia que era só uma expressão, achava que tacho era algum lugar.
Naquela época, ainda não existia televisão, pelo menos na nossa região...é, sou antiguinha...devia haver em casa de famílias ricas, mas na nossa só chegou quando eu tinha 15 anos. Então, ouvia-se rádio o tempo inteiro, da manhã à noite. Ouvíamos as rádios locais, ouvíamos a Guaíba e Gaúcha de Porto Alegre (ondas médias e curtas, e freqüência modulada....nunca vou esquecer, embora não soubesse o que era isto...), ouvíamos a rádio El Mondo de Buenos Ayres, que tocava tango o tempo inteiro, e tinha umas propagandas engraçadas. Ah, a BBC de Londres e A Voz da América, não sei exatamente de onde, mas sei que era americana em língua portuguesa. Ouvíamos música, noticiário, futebol, muita propaganda, e...novelas! Ouvíamos novelas... e a imaginação fluía e viajava, na interpretação de atores que, posteriormente, se transformaram, muitos deles, em atores televisivos e cinematográficos.
O direito de nascer, Redenção, A dama branca, entre muitas outras, são alguns dos títulos que recordo, da minha infância de ouvinte de novelas, por incrível que possa parecer. E aprendia muitas palavras com isto; quando não conhecia, perguntava pra minha mãe o que que era. Tem uma que nunca vou esquecer, pois causou, fiquei sabendo depois, um trauma em uma pessoa: bastardo. Em alguma novela devo ter ouvido esta palavra, e perguntei pra mãe, que me disse ser o nome que se dava a crianças que nasciam fora do casamento, seja por a mãe ser solteira, ou se fosse, suponhamos, amante de um homem casado, este filho seria bastardo. E mais disse minha mãe, que um filho bastardo não tinha direito a herança do pai. Eu fiquei impressionada; conhecia uma pessoa muito próxima de mim, cuja mãe era solteira e, na minha inocência, sem malícia, achando que estava empregando bem uma palavra recém aprendida, quando a vi, disse: tu sabia que tu és bastarda?
Continuei na minha vida de brincadeiras, e, muitos anos depois, fiquei sabendo que aquela pessoa me odiava pois a tinha chamado de bastarda. Eu não tinha, naquela época, a compreensão da extensão do que estava dizendo, nem sabia que podia magoar alguém com isto.
Havia umas propagandas que diziam: - encontre tal coisa nas boas casas do ramo. Lá vou eu perguntar pra mãe: - mãe, onde ficam as boas casas do ramo?...eu era ‘inotchente!’ como dizem os italianos.
E os homenzinhos do rádio? Eu virei muitas vezes o rádio de ponta cabeça, tentei abrir, espiar pra dentro pra descobrir como eram e como viviam os homenzinhos que falavam dentro do rádio....estes tempos descobri que algum escritor, não lembro mais quem, também procurou estes homenzinhos...não tô sozinha no páreo...
E o cinema...ah, o cinema! A primeira vez que fui ao cinema devia ter uns sete anos; fui com a minha querida tia, seis anos mais velha que eu, e que tinha uma paciência de Jó comigo. Lá pelas tantas começou a chover no meio do filme...raios, trovoadas...e eu fiquei com medo e queria ir embora! Comecei a chorar e estraguei o filme dela, que teve que me levar embora. Quando saí lá fora, vi que continuava uma linda tarde de sol, daí que fui entender que era só o filme... então queria voltar¸ mas daí já não dava mais. Depois acostumei, assistia aos filmes do Jocelito, os desenhos da Disney, morria de medo da bruxa e do dragão da Bela Adormecida...aprendi a amar o cinema.
(Imagem: http://www.google.com.br/imgres?imgurl=http://www.laboratoriopop.com.br/imagensUpload/bruxa-da-bela-adormecida-a5719.jpg&imgrefurl=http://www.laboratoriopop.com.br/temporeal/malefica-bruxa-de-a-bela-adormecida-Eu adorava subir em árvores, nas ‘grimpas’, muito moleca, irmã única de três irmãos; brincávamos de avião, eu adorava sentir a brisa balançar meus cabelos nos galhos mais altos das árvores, geralmente os pessegueiros. Eu subia com uma faquinha na cintura do short, sentava num galho grosso, escolhia os melhores pêssegos, que estavam maduros mas não bichados , primeiro aspirava aquele cheirinho gostoso de pêssego maduro, e depois comia até ficar satisfeita. Quando a mãe via, lá vinha – menina, desce daí, que perigo! A única coisa que eu não conseguia fazer era virar cambota no galho. Me lembro que os guris faziam isto, mas..disso eu tinha medo!
Quando os amigos não estavam por perto, meus irmãos me deixavam jogar bolita com eles, me emprestavam a joga, me ensinaram a nicar, acertar no tejo; a gente jogava às brincas, por que eu era guria, eles não iam jogar as devas comigo...
Imagem do google
Aa gente brincava de roda com a vizinhança, jogava caçador no meio da rua, eu adorava! Pulava corda, brincava de ‘letz’, que para muitos hoje se chama ‘pega’. Diabo rengo, brincar de abóbora, de passar anel... nem lembro de tudo...bons tempos, embora pobres, não houvesse calçamento na rua, saneamento e outras coisas. Mas isto é assunto pra outro dia.
Viagem no tempo! Boa! Abração pessoa inocente!
ResponderExcluirEu achava que tinha os homenzinhos correndo e tocando em cima dos discos de vinil...
ResponderExcluirnao lembro do diabo rengo, mas sei que brinquei disso tb
Amiga...que delícia viajar em suas memórias. Pena que as crianças de hoje estão privadas de experiências como as suas,ou melhor,como as nossas. Infância com sabor de inocência, crianças que eram crianças. Beijo no coração.
ResponderExcluirAdorei!
ResponderExcluirAlgumas das histórias eu já tinha ouvido, mas estou gostando de descobrir histórias inéditas pra nós. Beijos
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