domingo, 9 de outubro de 2011

Um pouco de história



     Tento resistir heroicamente à leitura de livros indicados por revistas semanais, por achar que são tendenciosas, que há convênio com as editoras, que as estatísticas de mais lidos são inventadas, e outras desconfianças mais.  Entretanto, às vezes declino destas conjeturas, e desço ao mundo dos mais indicados, para ver se realmente o comentário lido bate com o livro escrito, ou se é propaganda para vender livros.  Aliás, dias destes escutei um comentário de uma professora universitária, na rádio universitária da região, que falava exatamente sobre isto.  Mais ou menos, em poucas palavras, o que dizia a tal mestra:
     "Você pensa que escolhe o que lê? aliás, você escolhe o que lê? você só lê o que lhe indicam? e quem indica? por que indica? mesmo o livro que você pega na biblioteca, ou com amigos, ou compra na livraria, foi você que escolheu? na-na-ni-na-não! você escolhe o que os editores acham que deve ser publicado, o que a mentalidade da época considera conveniente, os assuntos que eles acham que devem ser os do momento, sobre os assuntos que eles acham que devam influir, o que dá retorno financeiro, afinal, publicar é investimento, o que teu amigo achou legal, o que a bibliotecária da biblioteca pública, da escola, seja de onde for, achou conveniente adquirir, conforme a sua ótica, etc, etc, etc."  Então me peguei pensando, não é que é verdade?
     Mesmo assim, acho melhor ter algum conhecimento, que muitas vezes se confirma em algo que valha a pena e possa trazer algum tipo de proveito pra gente, seja ele qual for, do que ficar na permanente ignorância.  Pelo menos, se pode discordar do que se lê.
     E foi por aí que li o livro abaixo, meus queridos blogtores, aguentem aí:
                                               

                                                                   

 NARLOCH, Leandro. Guia politicamente incorreto da história do Brasil; ilustrações Gilmar Fraga. SP:Leya, 2011, 367p.

     Creio que eu estava esperando alguém escrever isto. Depois de muita coisa que tenho lido para entender o meu país, e não tenho lido só coisas escritas por brasileiros, o que seria tendencioso, também leio o que estrangeiros pensam do Brasil, pra tentar entender meu mundo, tendo em vista que não estamos numa ilha (mas num continente enorme), e 'o mundo é uma aldeia', como disse Mc Luhan e Marcuse (informações de autoria da frase obtidas através do Mr. Google, num site da iG, comentário sobre um livro, do repórter  Pedro Alexandre Santos, pois no momento não me recordava quem tinha dito isto pela primeira vez), encontrei algumas afirmações aqui que eu já tinha pensado.  Não saberia enquadrar nas famosas e obrigatórias linhas políticas "esquerda-direita-centro", porém penso que estariam perto do que é a verdade, esta senhora que vivemos buscando e que raramente encontramos.
     Escreve o autor sobre índios, negros, escritores, samba, guerra do Paraguai, Aleijadinho, Acre, Santos Dumont, Império e Comunistas.  A leitura deste livro é como se viéssemos numa corrida de 400m, estivéssemos dando tudo de nós, de repente entra alguém em sentido contrário, dá um empurrão, a gente cai, vê que perdeu a corrida, tenta colocar a cabeça e o corpo no lugar e entender o que está acontecendo.  Tipo uma galinha depois de uma trepada, que chacoalha tudo, da cabeça aos pés, ou um cachorro depois do banho...
     Eu desconfiava que os índios tinham adotado nomes de portugueses e que não tinham sumido em tantas guerras e doenças trazidas pelos brancos, e o cara confirma isto.  Afinal, mesmo no Rio Grande do Sul, onde nasci, e no Paraná, onde moro, conheço um monte de pessoas descendentes de indígenas, com cara de índio, com nome brasileiro, e que vive normalmente como qualquer pessoa, não tendo tido ancestrais massacrados, obviamente, senão não estariam aqui.
     Também sobre os negros, é sabido de todos - somente os que são racistas e querem arrumar um dinheirinho de indenização sem fazer esforço, entrar para faculdade ou para o serviço público sem concorrer em pé de igualdade com os demais, fazem de conta que não sabem, ou ignoram, literalmente a sua própria história e a cultura de seus países de origem - que os próprios africanos, no período da escravatura no Brasil e nos demais países no mundo, vendiam seus conterrâneos, umas tribos massacravam as outras, como continuam fazendo até hoje, as escravizavam e vendiam; o que os brancos do mundo todo, e também alguns pretos ricos também faziam, era comprá-los e colocá-los para trabalhar.  O que me parece, nestes movimentos, é que este pessoal só quer levar vantagem.  E não se esqueçam: também tenho origem africana, por isto posso falar disto.
     O livro vai desarmando tudo aquilo que oficialmente sempre nos passaram, vai quebrando tabus em todas as áreas, mas tem uma parte que vou falar especialmente: sobre os comunistas.
     Cresci em uma família que tinha medo dos comunistas.  Meus pais diziam sempre para ficarmos longe da política e dos comunistas.  Com o pouco estudo que tiveram, aliás, manter-se longe da política, na época deles, era uma questão de sobrevivência, tendo em vista que meu pai trabalhava em uma Prefeitura.  Entrava prefeito, saía prefeito, e cada um achava que meu pai era do partido oposto; porém como sempre foi cumpridor de seus deveres, todos sempre o trataram bem, pois sempre deu razão a todos.  Tipo camaleão, que precisa sobreviver, sendo pobre.
     Narloch começa este assunto falando de Luís Carlos Prestes, um gaúcho da minha região que fez um monte de bobagens pelo país.  E o que o autor revela (ele fez pesquisas em bibliografia, órgãos oficiais, tudo com notas e referências), é que, na realidade, este era o nosso D. Quixote, um rebelde sem causa, que causou um monte de danos não só ao país, mas a muitas pessoas.  Segundo o autor, se tomasse o poder, Prestes não saberia o que fazer com ele.  Pura verdade.
     Sobre Prestes, o ponto de vista de minha avó, que sofreu na pele, em sua casa, na colônia, naqueles tempos idos, o ataque do monstro e seus asseclas, relatado em seu livro "Memórias da Vó Deza", Livraria Unijuí Editora, 1987, Coleção Centenário de Ijuí, p.46 e seguintes:
"Era trinta de dezembro de 1924, muito quente, uma terça-feira, e nós muito tranqüilos pela vitória do dia anterior.  Minha tia levou umas cadeiras lá na sombra de uma árvore, levou a chaleira e a cuia, e fomos chimarrear, antes do café. (...) minha bisavó disse" minha filha, a coluna Prestes está brigando com os legalistas desde as seis da manhã e nós não vamos dormir em casa; vamos pôr tudo em ordem e vamos lá para a casa dos castelhanos Dom Tolentino e D. Maria José". (...) "Fomos dormir mas não conseguimos. Quando o dia estava clareando nos levantamos e fomos para casa. Ao chegar, constatamos que estava tudo em ordem. A mamãe me disse para ordenhar as três vacas e mandou a Cema esperar eu tirar o leite e depois tocar toda a criação para o mato; o Florêncio e o Janguinho que levassem os cavalos para o esconderijo; (...) Nesse meio tempo a mamãe preparou o chimarrão, sentou-se à sombra da casa e me chamou para tomar mate com ela, pois eu sempre lhe fazia companhia no chimarrão e nos planos da casa.  A Fidelina foi buscar vassoura no potreiro.  Enquanto a mamãe me contava da revolução de 1893, apareceu tio Chico Ribas, já vinha do potreiro, deixou o cavalo no mato atado e veio nos avisar tudo o que havia acontecido e estava acontecendo. (...) O coitado do velho estava horrorizado, apavorado e só dizia: "comadre, os homens!" E a mamãe: "que homens?"  Ele olhou para o potreiro do vizinho e disse: "olhem, meninas!"  Nós olhamos e ficamos ali, inertes, não podíamos falar de susto, e a Fidelina soltou a vassoura e desatou a correr. Um sargento, com um enorme lenço vermelho que ia do pescoço às costas, galopava por fora da cerca. No potreiro do vizinho vermelhava de lenço colorado.  Levaram todos os cavalos.  A Fidelina chegou sem fôlego.  O sargento chegou bem junto de nós e perguntou: "onde estão as vacas e os cavalos?" E a mamãe, com toda presença de espírito respondeu: "os homens já levaram tudo."  Ele indagou de que lado eram.  E a mamãe: "eu não sei de que lado eram, só sei que também estavam com lenços vermelhos." De repente,o Janguinho e o Florêncio apareceram com os baldes que tinham levado água para os animais lá no mato.  Os homens viram e foram atrás dos rapazes.  Eles sumiram no potreiro pelo mato adentro, e eles gritaram: "não disparem porque eu mato vocês!", e nos avisaram: "eu venho de noite e faço vocês me darem conta dos rapazes". (...) A mamãe arrumou alguma coisa para levarmos, fechamos a casa e fomos dormir no mato; não só dormir, mas passamos todo o dia primeiro do ano 1925.  No dia dois o tio Chico apareceu por lá no acampamento às sete horas da manhã, levou um enorme pão, a gente estava morrendo de fome. As crianças, que eram a Mira e a Cema, iam no mato e traziam coco que comiam o dia inteiro. (...) O velho contou direito a história: "ontem, enquanto a gente estava escondido, os malvados já estavam lá no Rio Branco, brigando, e os governistas, quando perderam a batalha no Entre-Ijuís, pediram reforços ao Flores da Cunha, e eles estavam certos de ganhar as outras também, mas foi o contrário.  Eles não sabiam que os adversários haviam pedido reforços ao Flores da Cunha.  Quando os revoltosos chegaram em Rio Branco, os governistas estavam todos agachados esperando-os.  Foi um tremendo tiroteio.  Foi aí que mataram o Dr. Bozano (...).  Mais adiante, outro combate na Ramada, também foi morto o Tenente Portela (...). Não mataram só o Ten. Portela, ali foi uma carnificina.  Tiveram que fugir todos, os da Coluna Prestes; os governistas ganharam duas batalhas, só perderam a de Entre-Ijuís porque era pouca gente e estavam desprevenidos.  Mas mudou de figura quando veio o Flores da Cunha com reforço, os revoltosos fugiram para Santa Catarina." (...) "É, seu Luis Carlos Prestes, com a sua coluna nos deu um grande susto. Bem, antes do "show" de sustos e corridões, ele já tinha mandado uns vinte homens assaltar e tomar a prefeitura de Ijuí; já havia tomado São Luiz Gonzaga.  Mas nossos homens, que cuidavam da prefeitura, eram menos do que o piquete deles, só estavam bem prevenidos e resistiram, mataram uns dois e feriram uns quantos, que tiveram que fugir."

Livro de memórias que minha avó escreveu
     É de todos sabido sobre os ataques, estupros, roubo e furto de mantimentos, gado, armas e ferramentas, tudo necessário para  manter a tal coluna, que, como sabemos, andou, andou e não deu em nada, embora tivessem sido financiados pelos russos e por outros países comunistas, que aqui queriam implantar o socialismo.  Hoje é de conhecimento geral que este regime não leva a nada, tendo em vista a sua queda em muitos países, o prejuízo que causaram, o retrocesso e tudo o mais.
     Creio que o relato de minha avó mostra exatamente o que aconteceu com aquilo que é considerado algo informe, não visível, que existe no mundo: o povo, as pessoas que vivem simplesmente, fazendo de seu cotidiano algo não muito grande ou visível, mas uma existência na simplicidade, tranquilidade, rotinas, pequenas alegrias, amor à vida e procura honesta da sobrevivência.
     Casaram as informações de minha avó com as de Narloch, que também relata ataques de Prestes em vários pontos do Brasil, e que demonstra que o povo não queria aqueles malucos atacando cidades e pessoas, a troco de nada.  Na realidade, eram pessoas rebeldes que se apropriavam dos bens de terceiros de forma agressiva, vagabundos querendo implantar idéias malucas na cabeça dos outros, sem perguntar se queriam. 
     Também li "Olga", de Fernando Moraes há muitos anos, inclusive virou filme.  Confirma tudo isto.
     É um ótimo livro, também para refletir e comparar com os conhecimentos anteriores.  O embate é bom.





4 comentários:

  1. Felizmente tive a honra de conhecer a Vó Deza, escutar suas histórias, que têm mais credibilidade do que muitos livros de história, pois foram fatos vivenciados.

    ResponderExcluir
  2. Que beleza mana! Relendo o texto da vó Desa me parece esar escutando ela contar as histórias do Alto da União; o porquê de Dr. Bozano ter esse nome, o porquê de Tenente Portela ter esse nome e por aí vai! A história do gauchão de lenço vermelho lembro dela contar. Lembro dela contando que lia o jornal Correio do Povo para o nosso bisavô e tantas outras histórias. Nuito bom!

    ResponderExcluir
  3. PS.: Estou sem óculos, portsato desculpe se errar algumas teclas! Bj

    ResponderExcluir