sábado, 12 de janeiro de 2013

Revendo a Revolução Farroupilha

 


 Embora eu seja gaúcha (para os estrangeiros que me lêem, gaúcha é a pessoa que nasce no Estado do Rio Grande do Sul, no Brasil), nunca fui de frequentar CTG,  que são os Centros de Tradições Gaúchas; gosto de algumas músicas típicas, aquelas que eu acho cheias de poesia, ou que apresentem algum fator cultural, poético, do amor entre as pessoas, a parte telúrica, o que relembra as rotinas de antigamente da vida no campo, assim por diante.  Mas nunca fui muito de vangloriar-me por causa dos feitos dos guerreiros gaúchos, embora eu tenha ouvido muitas histórias antigas, contadas por meu pai e meus avós, de episódios carnicentos das guerras.  Talvez por isto não goste desta parte; sei que foi uma dificuldade imensa o povo dos tempos idos conseguirem manter as atuais divisas entre o Rio Grande do Sul, consequentemente do Brasil,  e o Uruguai, a Argentina e Santa Catarina; com o Oceano Atlântico creio que nunca brigamos...
Quando li "O tempo e o Vento" do Érico Verísssimo, em seus 8 volumes, tive uma noção, ainda que romanceada, da nossa história; e minha conclusão sobre estes eventos antigos, é que as mulheres sofriam muito,  pois seus maridos, filhos e parentes iam para a guerra e não sabiam se voltariam; elas temiam a invasão dos inimigos, pois sabiam ser possíveis vítimas de ataques, estupros, abusos, etc; e elas tinham que lutar, sozinhas, para manter casas, filhos, plantar e colher alimentos, matar animais para alimentar a família, tecer e cozer vestimentas, etc.  Sempre sobrou muito para as mulheres, enquanto os homens politicavam e guerreavam.
Mas, também, eu desconfiava um tanto dos 'grandes feitos e dos grandes heróis' gaúchos.  O livro que li, que menciono abaixo, dá um norte sobre o que ocorreu de verdade neste tempo, e trata de um assunto que sempre foi esquecido no RS, como se aqui não tivesse havido escravidão: os negros.
Aguentem firme, que lá vai: 

Juremir Machado da Silva, História regional da infâmia - o destino dos negros e outras iniquidades brasileiras (ou como se produzem os imaginários), L&PM editores, 2ª ed, POA, 2010.

Juremir é jornalista, romancista, professor universitário, ensaísta e tradutor. Conheci-o em uma palestra em Caxias do Sul/RS, nos tempos idos em que morei lá e ainda era professora. Gostei do papo dele, achei-o inteligente, acompanhei-o durante muitos anos no Jornal Zero Hora, se não falha a memória (faz muito tempo!).
Neste livro, que não é um romance, mas cresceu aos meus olhos como uma denúncia, Juremir reconta a história riograndense, principalmente os fatos da Revolução Farroupilha,  renarrando os fatos  já conhecidos e muito cantados em trovas e versos, a partir de pesquisas feitas in loco, em bibliotecas, museus, arquivos públicos, arquivos particulares das próprias personagens históricas gaúchas.  Como outros livros que tenho lido, para entender meu mundo, foi um soco no peito; porém, eu já desconfiava...
Conta a orelha do livro que  ele debruçou-se sobre 15 mil documentos com uma equipe de dez pesquisadores para trazer a lume, creio, uma versão, talvez A VERSÃO VERDADEIRA. Analisa documentos, correspondências oficiais e particulares, diários, relatos, recibos, bilhetes, outros livros de outros autores, de todos os lados, inclusive autores estrangeiros que estudaram esta revolução.  São analisados atos e fatos de Bento Gonçalves, David Canabarro, Vicente da Fontoura, Caxias, entre outros.
Nas aulas de história riograndense que tivemos na escola, todos eram "vultos históricos" dignos de glória e fama.  Neste livro, porém, vêmo-los como simples seres humanos, com suas arrogâncias, ânsias de poder e de dinheiro, cuidado na manutenção das próprias propriedades, pouca preocupação com a soldadesca que os auxiliou, principalmente os negros escravos, que foram aliciados para entrarem na guerra em troca de liberdade, e que foram massacrados por uma combinação entre o Duque de Caxias e David Canabarro.  Narra episódios terríveis, traições, assassinatos, acordos por debaixo do pano, entregas, declaração de separação do RS do Brasil, através de uma Constituição que nunca entrou em vigor; relata um acordo que nunca foi assinado, e denuncia que o fim da guerra foi negociado, sendo que os líderes 'aceitaram a paz' em troco de uma indenização para cada um deles, e a manutenção de suas próprias terras e das que desapropriaram e tomaram para si.
É um livro pesado, mas necessário. Linguagem acessível, vê-se que a pesquisa foi bem feita, há bibliografia indicada, excelente para quem quer, verdadeiramente, conhecer a sua terra, não só os louvores, mas também a banda podre, para não se ter ilusões.
Creio, porém, que os fatos cruéis da guerra não devem interferir na parte cultural da música (ritmos), trajes típicos e o amor à terra.  Estes independem das ações humanas.  O que não devemos, creio, é continuar a cantar loas a pessoas que não as merecem.
Vale a pena a leitura!
 

3 comentários:

  1. É dona Athena, esse é o mundo real! A verdade sobre o tradicionalismo é que mitifica um pouco o gaúcho, mais conhecido como "centauro dos pampas".
    Meses atrás copiei/postei (acho que foi na Semana Farroupilha) dois artigos que falavam dessa mitificação, de quem foi o verdadeiro gaúcho pós revolução, e sobre a traição aos Lanceiros Negros. Mas um povo não se constrói só com atos heróicos, também com atos vis e traições (talvez para que não façamos os mesmos erros?). Mas tirando os exageros, nossa cultura é única, nosso povo é ímpar, e com certeza servimos de modelo a muitos nesta terra! Beijo!

    ResponderExcluir
  2. obrigada pelo comentário; bjs e boa viagem; vai nos relatando o que vês, para não esquecer...

    ResponderExcluir
  3. Interessante, quero ler o livro algum dia

    ResponderExcluir