Mariana
sentiu que chegava ao fim.
-
“Por que as pessoas se encontram, parecem ter afinidades que depois somem?”
Pensava
nisto enquanto terminava de arrumar a pequena e luminosa casa onde morava.
Lembrou-se dos primeiros tempos; é bem verdade que a sintonia nunca foi cem por
cento. Por exemplo, ela gostava de esportes, ele de leitura, que ela não
suportava; ele gostava de cozinhar e ela – não podia nem pensar, preferia
pintar seus quadros – que ele não entendia. Ela gostava de dançar e ele
preferia ficar em casa dormindo. Mas nas festas, na política e na cama eles
fechavam.
Eram
muito bons amigos em quase tudo.
Após
terminar sua obrigação – que fazia pensando em outras coisas por não gostar –
passou para a pequena saleta que chamava de atelier. Olhou para o quadro que
pintara ontem, sem vê-lo. Seus pensamentos turbilhonavam. Flashes de várias
épocas, de lances diferentes, palavras, olhares; não sabia o que fazer de si.
Olhou pela janela e o sol, que irradiava uma claridade etérea, aqueceu seu
coração. Um passarinho chilreou na parreira em frente, seu gatinho angorá
enroscou-se em sua perna.
-Enquanto
as coisas estão acontecendo ao meu redor, eu penso. Será todo mundo assim? Será
que Flávio também passa por isso? Nunca transpareceu, parece tão seguro de si,
não aparenta ter dúvidas, ansiedades, incertezas... Só se preocupa com coisas
práticas... serei somente eu quem vive pensando, ruminando sobre as coisas?
Distraidamente,
pegou o pincel e começou a jogar com as cores, lançando à tela imagens
disformes. Vermelho, azul, verde, amarelo gritante, preto... seu pensamento
estava longe. Da casa do lado, vinha indistintamente – conforme a brisa se
agitava – o baticum de um samba de Paulinho da Viola. Num sobressalto,
lembrou-se que tinha hora marcada no dentista, que deveria ir ao banco fazer
alguns pagamentos; rapidamente, passou pela frente do espelho, ajeitando-se de
relance, pegou a chave da moto, colocou a bolsa à tiracolo e saiu. O trânsito,
o sol, o cheiro de flor que havia na rua, o próprio fato de fazer algum
movimento, bloqueou seus pensamentos. Enquanto aguardava na fila do banco,
chocou-se com a lembrança remota de separação; mas, como era sua vez na fila,
deixou para mais tarde...
Imagem: https://myloview.com.br/fotomural-mulher-pintor-artista-no-parque-silhueta-pintura-no-904DA8
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