sábado, 27 de agosto de 2011

A casa dos avós paternos.


     Meus avós moravam em Santo Ângelo quando me dei por mim.  Mas eles vieram de São Borja,  fronteira com a Argentina, tendo como divisa o Rio Uruguai; passaram por São Luiz Gonzaga e só depois foram para Santo Ângelo.
      Como já mencionei em outro post, nós íamos  visitá-los nas férias.  Via-os, pelo que me lembro, uma vez por ano.
     Meu avô, mais conhecido por Guta (só o chamávamos de vô Guta), era um gaúcho autêntico, do tempo das revoluções, pois nasceu no século XIX; como profissão era, inicialmente, agricultor, e posteriormente, carreteiro; para quem não é do Rio Grande do Sul, carreteiros eram os agricultores que viajavam, de uma fazenda a outra, ou de uma cidade a outra, vendendo seus produtos da agricultura, couro, animais, etc; daí vem a origem do famoso arroz de carreteiro (uma delícia!) feita com charque, banha, temperos verdes, o que se conseguia transportar sem que estragasse naqueles tempos; era feito originalmente em panelas de ferro, cozido em trempes durante as viagens, e fácil de fazer que até os homens os preparavam...

Carreteiros
(Imagem: http://lucianoandancas.blogspot.com/2011/02/antigo-posto-marin.html)

O famoso arroz-de-carreteiro

(Imagem: http://www.cozinhabrasileira.com/comidas_gauchas/arroz_de_carreteiro.html)
     
     Contam meus pais que ele conheceu minha avó e se apaixonou por seu lindo narizinho arrebitado! naqueles tempos em que as mulheres andavam com longos vestidos, poucas partes do corpo indicavam a total beleza de uma mulher, daí se apaixonar pelo nariz...mas minha avó era linda.
    Meu avô vinha para casa de suas andanças, trabalhava um pouco, juntava coisas para vender e saía, carretear, deixando minha avó grávida a cada vez que isto acontecia.
     Ela era uma mulher de fibra, carneava porco, galinha, plantava, colhia, cuidava dos filhos, costurava, matava cobras, aranhas, cuidava dos animais, era o homem da casa.  E, naquele tempo, como também já comentei em outro post, os partos eram feitos em casa, com o auxílio de parteiras. Para crianças que nascessem frágeis, sobreviver, então, era uma dádiva de Deus e um esforço sobre-humano da mãe, pois médicos e assistência em geral não existia, para quem vivia em uma fazenda, no meio do mato.
     Recordo do cheiro da casa da vó, quando a gente chegava lá: meu avô fumava palheiro, mas não era um cheiro ruim de cigarro ou de outros palheiros que se sente por este mundo; era um cheiro adocicado, gostoso, o cheiro da casa da vó. Vô Guta contava histórias engraçadas para nós, e dava suas risadinhas curtas e ritmadas; ele era baixinho, não muito gordo, usava bigodes, como todo gaúcho da época, e lenço vermelho maragato.  A vó era mais alta que ele, esguia, uma mulher muito delicada e bonita.
     Minha avó era fera nas agulhas de "coroché" (crochet), como ela falava; só trabalhava com linha fina (mercet crochet), e fazia rendas maravilhosas: guardanapos, toalhinhas, roupas, era uma artista; recordo, na década de 70, que  fez um vestido de noiva de crochet, que ficou famoso na cidade, saiu no jornal, foi para a filha de um advogado bem conceituado no local.  Ela tinha uma ótima clientela, toda a nata de Santo Ângelo encomendava trabalhos com ela.

Creio ser semelhante a este o vestido que minha avó fez.

(Imagem: http://nanytendresse.blogspot.com/2009/07/vestidos-de-noiva-em-croche.html)     

     Quando íamos passear, fazia coisas gostosas, bolos, seus pães eram meio adocicados e com erva-doce; fazia abacate na casca, que achávamos diferente; uma vez disse que ia ensinar a mim e minhas primas a fazer pão, foi uma tarde divertida: colocamos panos na cabeça, avental, peneiramos a farinha, metemos a mão no ovo e demais ingredientes, e cada uma fez um boneco, com feijão nos olhos, nariz e boca, muito engraçado e gostoso.

Eram parecidos com estes os bonecos que fazíamos, embora estes sejam doces, os nossos eram com massa de pão mesmo.
(Imagem: http://www.google.com.br/imgres?q=p%C3%A3o+em+formato+de+boneco&um=1&hl=pt-BR&client=firefox-a&sa=N&rls=org.mozilla:pt-BR:official&biw=1338&bih=569&tbm=isch&tbnid=2FYwu8TgOhkXFM:&imgrefurl=http://artedecozinhar-blogsecia.blogspot.com/2010_12_01)

     Geralmente íamos perto do Natal, passávamos esta data com eles, e era a época de encontrar os demais familiares: irmãos e irmãs do meu pai, com as famílias; era primos e primas de toda idade e tipo físico: altos, baixos, gordos, magros, uma diversidade enorme; a família estava toda esparramada pelo Rio Grande, e    uma tia morava, e mora ainda, no Rio de Janeiro.  Tinha uma tia que morava na mesma quadra da casa da vó, um casarão na esquina que eu gostava muito de visitar, pois havia primas da minha idade e que ficaram minhas amigas pela vida toda; o que me marcou na casa desta tia  era o enorme relógio cuco que eles tinham na sala; adorava ficar olhando quando batiam as horas e o cuco abria a portinhola e cantava...
       Quando eu tinha uns 13 anos, fui passar uns dias sozinha na casa da vó, para aprender crochet, que eu não sabia e minha mãe também não; fiquei 15 dias,  fiz uma saia e uma blusa...e não via a hora de ir para casa; decididamente, não tenho habilidades com as agulhas, tenho duas mãos esquerdas...mas aprendi. 
     Foi nesta época, creio, que eles comemoraram as Bodas de Ouro; só descendentes diretos tinha 150 pessoas - filhos/as, genros, noras, netos. Foi uma festa muito bonita, uma oportunidade rara da família encontrar-se, pois os netos estavam crescendo, demandando estudos e trabalho, então ficava cada vez mais difícil reunir todo mundo.
     Meu avô faleceu com mais de 80 anos, minha avó perto disto, quando eu estava na faixa dos 17/18 anos.  Ficamos todos tristes, mas sabemos que tiveram uma vida intensa, cheia de atividades, emoções, criaram os filhos, apesar das dificuldades, superaram problemas, e deram um bom exemplo de vida aos seus descendentes.
    
    

3 comentários:

  1. Pois é "Mimizinha hehehe,legal deixar nossas histórias registradas no blog,né? bj, querida tia! Obs, linda a casa dos seus avós!

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  2. Eu pretendia falar deles, saiste na frente, mas tem coisas que aconteceram comigo que vai dar pra contar! Ficou muito bom! Beijão

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  3. oi,Vivi, a casa que está ali não é a do vô; é um Museu em S.Borja, que coloquei para ilustrar e identificar a cidade de origem da família. A casa do võ não existe mais, e não tenho fotos dela. bjs.

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